segunda-feira, 5 de outubro de 2015

A mudança



O povo soberano pronunciou-se e, de acordo com alguns comentadores políticos, comportou-se como as formigas: existe um misterioso mecanismo pelo qual uma sabe o que querem milhares de outras e comportam-se em conformidade, seja para uma defesa colectiva seja para anunciar uma importante descoberta. “O que significa” (como diria o Pedro) o seguinte. 
O povo não queria despedir a dupla Pedro-Paulo mas também não queria que eles continuassem a mesma política de austeridade e a comportar-se com a arrogância e prepotência do passado. Governar com maioria absoluta não é nada o mesmo do que governar em minoria e, por decisão democrática, o povo decidiu que Pedro-Paulo vão ter pela frente uma realidade diferente e uma dolorosa obrigação: não poderão voltar a enganar ou a esconder e vão ter que cumprir as promessas eleitorais (o que na campanha que decorreu se revelou totalmente irrelevante na aferição da “confiança”). 



A renovada dupla vai ter que apresentar ao Parlamento um programa de governo que seja simultaneamente conforme às promessas eleitorais - nomeadamente a reposição de pensões e de salários e uma redução da carga fiscal - e às exigências orçamentais - em particular o controlo da dívida pública e do déficit.
Dilema que não chega a sê-lo e para cuja solução não é necessário recorrer à Teoria dos Jogos: as indefinidas promessas eleitorais da coligação PSD/CDS (nunca vertidas num programa eleitoral), embora não sendo mais do que a continuidade da política prosseguida durante 4 anos não serão novamente cumpridas porque incompatíveis com os objectivos centrais do deficit e da dívida pública, os quais, aliás, o actual governo não conseguiu cumprir como se verá no final do corrente ano: o deficit será superior a 2,7 % e a dívida ultrapassará os 123,7 % do PIB.
É um azar dos Távoras que conduzirá, no futuro, à produção pelo Pedro de um saco de “sim mas ou não mas”, com várias cores e formas, justificando  aquilo que prometeu e que não poderá cumprir.
O cidadão, muito recentemente acariciado e louvado com repetida humildade pelo Pedro e pelo Paulo, vai depressa aperceber-se que na futura política governamental - em nada igual à prosseguida durante o período eleitoral que muito cedo se iniciou e que apenas foi um interregno – a política de austeridade continuará e que tudo será mais do mesmo: cortes nas pensões e outras prestações sociais, despedimentos na função pública,  redução dos serviços do Estado na educação, na saúde, na justiça, na cultura, etc. Que é inevitável dirão, pois sim talvez mas então que o proclamassem preto no branco sem subterfúgios.
Mas toda e qualquer iniciativa política será feita com uma enorme diferença:
A oposição, que é agora maioria no Parlamento, terá uma palavra decisiva e não será possível uma invocação do passado pela renovada dupla PSD/CDS para lembrar más decisões e justificar contestáveis politicas, como reiteradamente fizeram com a herança recebida de outros. Agora, a herança é própria.
Não se esperam surpresas por parte da coligação CDU que manterá quanto à Europa a sua visão política, mas o que virá do Bloco de Esquerda que foi o vencedor destas eleições? Uma aproximação ao PS, grande derrotado da eleição, e uma oposição “construtiva”? Ou uma política totalmente autónoma e radical de oposição? E o PS? Mergulhará numa guerrilha interna entre os que desejam uma aproximação ao centro e os que defendem uma união com a esquerda, viabilizará provavelmente o programa do novo governo em nome da estabilidade governativa e do ideal europeu, será fiel ao seu programa eleitoral que não se cansará de lembrar ao discutir  taco-a-taco medidas e pacotes legislativos (em particular no que respeita à segurança social e à política fiscal) e sublinhará o seu papel central na sobrevivência do governo.
Assim, não é irrelevante observar algumas das novas realidades da composição parlamentar.
A coligação de direita ficou com 104 deputados (86 do PSD e 18 do CDS) perdendo 11 deputados, o PS ficou com 85 deputados, ganhando 12 deputados, o BE (o vencedor das eleições) mais do que duplicou o resultado de 2011, passando de 8 para 19 deputados (mais 1 do que o CDS), a coligação CDU passou de 16 para 17 deputados. 
Resumindo: 104 deputados à direita versus 121 à esquerda e  ainda 1 do novo partido PAN (partido das pessoas, dos animais e da natureza).
É muito, é pouco? É o suficiente para travar a continuidade  de uma governação que obteve a oposição da maioria do eleitorado e, para o bem e para o mal, marca o perfil da incerteza da tão desejada estabilidade governativa, perfil esse traduzido, paradoxalmente, na importância incontornável do PS, grande derrotado da eleição. 






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