sábado, 28 de dezembro de 2013

Justiça e corrupção.


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Transcrevem-se a seguir extractos do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 9 de Abril de 2002 que em tempos me enviaram à laia de anedota (publicado na Colectânea de Jurisprudência, Ano XXVII (2002), tomo 2, pagina 142 e seguintes, segundo me garantiram).
O Ministério Público deduziu acusação pela prática de crime de ameaças porque "durante uma discussão, o arguido ameaçou o ofendido, dizendo que lhe dava um tiro nos cornos (...)".
O Juiz decidiu não receber a acusação "porque inexiste crime de ameaças (...) simplesmente pelo facto de o ofendido não ter “cornos”, face a que se trata de um ser humano. (...)”.
O Ministério Público recorreu da decisão, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa acolhido o seu recurso, dando-lhe razão, remetendo-se o processo para julgamento, entre outros pelos seguintes motivos:
"(...) não se percebe quais as objecções colocadas à integração do crime. Se é por o visado não ter “cornos” estar-se-ia então perante uma tentativa impossível? Parece-nos evidente que não." (...). "Será porque por não ter “cornos” não tem de ter medo, já que não é possível ser atingido no que não
se tem? (...) não é pouco vulgar dirigir a alguém expressão que inclua a referida terminologia. Assim, quer atribuindo a alguém o facto de "ter cornos" ou de alguém "os andar a pôr a outrem" ou simplesmente de se "ser corno" (...) tem significado conhecido e conotação desonrosa, especialmente se o seu detentor for de sexo masculino (...) também se utiliza a expressão "dar um tiro nos cornos" ou outras idênticas, face ao corpo do visado, como "levar no cornos", referindo-se à cabeça, zona vital do corpo humano. Já relativamente à cara se tem preferido, em contexto idêntico, a expressão “focinho”(...)."
Textos desta natureza suscitam risonha perplexidade, mas fazem parte de um processo judicial. Creio que a Justiça não deve ser objecto de riso, mas, neste caso, havendo queixa envolvendo adjectivação imprópria como julgar sem referir a mesma? Dificilmente e o resultado é aquele.
Seja como for, do que Portugal sofre é de um problema de falta de educação (não confundir com instrução). Dêem-lhe tanta importância como ao *deficit* e os resultados aparecerão. A educação está estreitamente ligada ao exemplo e quando este falta ou é mau a educação é má.
E quem são os culpados deste mal de que Portugal sofre? Entre outros, pais, professores, chefes, políticos.
Pais, que enfiam os filhos em escolas e que só os vêem, que só falam com eles, aos fins-de-semana se tanto, e que educam pelo mais fácil ou menos cansativo e são apáticos a todo o género de caprichos de pequenos tiranos.
Não há tempo para dar exemplos, para educar.
Professores, que têm cada vez menos educação e que pelo exemplo não primam raiando o seu comportamento o limite da grosseria como se pôde ver nas imagens televisivas das suas recentes greves.
Quanto a alguns jornalistas, que daquele grupo fazem parte, escrevem mal, não sabem falar e escolhem e exploram temas para divulgação com critério próprios da imbecilidade e do sensacionalismo bacoco.
Chefes, que o são mais por automatismos e por confianças do que por competência e dedicação ao trabalho, longe de dar o bom exemplo, são pródigos em violar as mais elementares regras da ética do profissional.
Políticos que, todos os dias e de todas as formas, nos revelam que o que interessa é "o deles", que não têm a menor ideia do que é o bem-público, que vagamente conseguem distinguir o que é honestidade, que não reconhecem enquanto servidores do Estado situações de incompatibilidade e mergulhando
despreocupadamente no que é a corrupção embrulham-se em negociatas vergonhosas.
Não?
Andam distraídos. Basta ligar a televisão, abrir um jornal, ouvir uma estação de rádio.
Oiçam o que disse Paulo Morais a 23 de Novembro do corrente ano na Sala do Senado da Assembleia da República sobre “incompatibilidades e corrupção”.
Oiçam os nomes por ele denunciados e terão algumas (infelizmente poucas) surpresas.
São 15 minutos muito elucidativos e a não perder.

 
Justiça onde estás?

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Engenharia é isto.



O afastamento dos engenheiros (os verdadeiros...) da política, o monopólio que nela passaram a ter os economistas e os juristas e a degradação das qualificações profissionais decorrentes de uma democratização estatística do ensino, cuja qualidade passou a ser aferida pelo número de licenciaturas e não pelo saber adquirido, são factos para mim induscutíveis mau grado as proclamações políticas em contrário. É estranha e interessante a coincidência daqueles factos com a mais do que evidente falta de qualidade dos actuais praticantes e dirigentes políticos.

Eis uma obra, nem sequer recente, da Engenharia. Há muitas mais que são o orgulho da minha profissão como, por exemplo, o Viaduto de Millau em França: 
http://pt.wikipedia.org/wiki/Viaduto_de_Millau 
http://www.engenhariaeconstrucao.com/2011/02/viaduto-de-millau.html 
Esta mais alta ponte do mundo tem uma companheira na mais alta plataforma
marítima de exploração de gás que passo a apresentar resumidamente.

A “Troll A”é uma plataforma de extracção de gás natural localizada no alto mar
na costa oeste da Noruega.
Está entre as obras maiores e mais complexas da história da engenharia e é a construção mais alta transportada pelo homem de um ponto a outro do planeta (200 km).
O início da construção ocorreu em Julho de 1991, sendo construídas
separadamente a plataforma propriamente dita e a sua base.
A plataforma da “Troll A” foi rebocada mais de 200 km de Cubas, na parte
norte de Rogaland, para o campo de Troll, 80 km a noroeste de Bergen. O
transporte levou 7 dias. 
A união das duas partes da estrutura efectuou-se em 1995 estando a base
parcialmente submersa com a fundação 35 metros enterrada.
A “Troll A” tem uma altura total de 472 metros, dos quais 303 metros abaixo
da superfície do mar, pesa 683.600 toneladas (1,2 milhões de toneladas, com
lastro) e o percurso por elevador do convés principal até à sua base, no fundo, leva 9 minutos.
A sua estrutura tem 100.000 toneladas de aço (o equivalente a 14 torres
Eiffel) e 245 mil metros cúbicos de betão.
A obra custou de 16 biliões de dólares e mobilizou 2.000 mil operários, dia e
noite, durante 4 anos.

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Muene Puto



“Nós ficaremos aqui, me disse a orgulhosa Ambuela (...) e só te digo, branco, que se tu és secúlo do Muene Puto eu sou filha do sova”.

(do Atlântico ao mar Índico - Serpa Pinto)


“Baixa a tola caloiro” e eu, com dez anos, o puto, baixava e levava um caldo. Dois anos depois, eu, um puto, era autorizado a participar na cerimónia com os novos caloiros, também putos. Passava-se no Liceu Normal de Pedro Nunes em Lisboa.
E durante alguns anos fiz parte desses “...bandos de pardais à solta; os putos, os putos; são como índios, capitães da malta; os putos, os putos “.
Mais tarde, muito mais, tinha eu barba cerrada preta, no mato de terras de África, alferes em guerra, ansiava pela minha viagem ao “puto” como o meu mainato chamava a Portugal continental.
Nunca a palavra “puto” teve para mim outro significado que não fosse coisa pequena ou, mais propriamente, “menino, garoto, miúdo pequeno...”. Até que a ânsia de saber e de saber cada vez mais em cada vez mais coisas me marcou novo encontro com a palavra “Muene Puto”.
O acumular do saber é, para mim, fonte de enorme prazer seja qual for o domínio. Que maravilha é o saber e que tristeza é para mim a perda de memória. Nunca morrer? Sim se. Se for para saber mais e mais de mais e mais coisas, das mais pequenas às maiores, das mais insignificantes às mais importantes e mesmo que a morte fosse no infinito do tempo nunca eu conseguiria saber tudo o que gostaria de saber.
Pela Conferência de Berlim (1884-1885) as potências europeias dividiram entre si África pintando o seu mapa com várias cores: rosa para Portugal (de Angola a Moçambique); encarnado para a Inglaterra (do Cairo ao Cabo), azul para a França (do Niger ao Mar Vermelho). Posteriormente, a Itália apoderar-se-ia do norte de África e da Etiópia e a Alemanha dos Camarões, do Togo, da Namíbia e da Tanzânia.
A Conferência catalizou as expedições de H. Capelo, R. Ivens, Serpa Pinto e Henrique de Carvalho, mas antes dela , de 1798 a 1879, já os portugueses exploravam o interior de Angola e o de Moçambique sendo os primeiros “muzungos” (como eram designados os brancos pelos povos do litoral atlântico) a contactar com os reis e imperadores do interior, a mando do nunca visto, muito imaginado, muito poderoso e muito rico rei de Portugal. Como exemplo desse pioneirismo, é interessante referir que pouco antes de 1853, data da morte da raínha D. Maria II, o rei Musiri do Garanganja (região próxima do actual Katanga) escreveu a Capelo (Sr. Branco Manjor) assinando no fim como “Muxiré Maria Segunda”.  
(...) que o que procura esteja sempre em busca até que encontre (...) não existe nada de escondido que não se revele ( ..) procurem e encontrarão (...).
 
Foi no meio da minha habitual pilha de livros para ler que escolhi
“Exploradores Portugueses e Reis Africanos” de Frederico Delgado Rosa e Filipe Verde. O livro recupera os relatos dos exploradores portugueses,
nomeadamente de Silva Porto, Hermenegildo Capelo, Roberto Ivens, Serpa Pinto e Henrique de Carvalho, focando, comentando e enquadrando temas e situações. Lá aparece a explicação de “Muene Puto”.
Em várias línguas de Angola Muene Puto designava o "senhor branco" ou o rei de Portugal e por extensão o próprio país ou as autoridades locais. Mas, literalmente, “Muene Puto” significa “Senhor dos Mortos” e esta designação resultou do comércio de escravos entre Portugal e os potentados africanos. Os escravos eram por estes vendidos aos muzungos e como nunca mais eram vistos era crença que chegados ao seu destino eram mortos.
O Muatiânvua Quinaueti, senhor da Lunda, disse ao morrer ao seu povo: “...Eu não morro, transformo-me em morto para ir visitar o Mueno Puto...”.
      

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Eternidade

“...que nenhum de todos... se perca...”
Lembro-me de um céu ameaçador no fim de uma tarde de Inverno. Lembro-me de nuvens mascaradas sob estranhas e fantasiosas formas, cavalgando
atabalhoadamente o céu, fugindo tão depressa quanto podiam. Lembro-me do vento que as enxotava arrogante, com a impunidade que a força dá. E elas, coitadas, corriam. 
Pobres é o que todos somos mesmo os poderosos, cães que ladram e uivam
como o vento, merdosos e arrogantes com os fracos, medrosos e cautelosos
com os mais fortes.
A trovoada aproximava-se e o vento soprava anunciando a chegada da força
que lá de cima cai, racha e queima a terra para a qual voltaremos todos.
Todos: fortes, fracos, medrosos e merdosos.
Lembro-me dos ramos dos pinheiros que se agitavam inquietos num
gesticulado discurso e que pareciam assinalar uma misteriosa presença.
De repente, a chuva tombou torrencial e no furioso assobio do vento pareceu-me ouvir uma mistura de confusas vozes: “...nós as nuvens, nós o vento, nós as ervas, nós as árvores, nós a chuva, nós as pedras...”. Lembro-me de então ter pensado estar a ouvir o grito da eternidade, da eternidade em que creio.
Acredito na metamorfose pelos átomos que hoje estão em mim e amanhã
numa erva, numa árvore, num riacho, numa nuvem, na chuva, numa abelha,
numa águia, em todas as parcelas deste maravilhoso mundo no qual me
confundirei no tempo, em todo o tempo.
Também acredito que o meu princípio e fim estão nos meus, na árvore da minha vida. Acredito que sou a eternidade dos meus que cá estiveram antes de mim e que ficarei para a eternidade nos meus que depois de mim vierem.
Não, não acredito na ressurreição da carne e na louca e terrível imagem de milhões de esqueletos saltando das campas ao som de celestiais trombetas, aguardando a chamada de um severo, implacável e supremo juíz.
Acredito na pacífica vida eterna, pela contínua transformação e mudança que é a corrente da existência de que faço parte para sempre, para todo o sempre. 
Sim acredito em ti Eternidade, eu na natureza, eu pelos meus e nos meus, para sempre.   
                          

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

A intelectualidade no vocabulário de hoje


           
Nos EUA decidiu-se há anos eliminar formalmente o racismo por via gramatical. Apenas formalmente.
De facto, é minha convicção que, no mais fundo do mais aberto espírito norte-americano, haverá sempre, na sua maioria, o “superior” white anglo-saxon versus os outros: os latinos e os negros. Apenas por conveniência política e hipocrisia social o negro passou a ser designado por afroamericano. Não são difíceis de encontrar provas disto nos filmes e na imprensa do lado de lá do Atlântico e não se deve tomar a nuvem do Tea Party por Juno.
Por cá, nasceu uma nova semântica que nos avassala todos os dias. 
Julgo que uma  ânsia de demarcação do passado levou a democracia a introduzir uma “revolução  vocabulária” inútil e que por vezes raia a imbecilidade. Revolução essa que se quer política, ou socialmente correcta por conceder ao vocábulo transformado uma aura de superioridade, ou pretender ser intelectualmente brilhante pela utilização de expressões rebuscadas, ou não compreensíveis pelo vulgo.
Como exemplo flagrante do primeiro caso, já não existem para os trabalhos de uma casa ou de uma empresa “criadas” ou “mulheres-a-dias” ou nem mesmo “auxiliares de limpeza”, mas sim “empregadas” ou “assistentes técnicas”, os “contínuos” passaram a ser designados  nos estabelecimentos de ensino por “auxiliares de educação educativa” e nos escritórios as “secretárias” foram promovidas a “assistentes”. Os drogados transformaram-se em "toxicodependentes".
Como vocábulos próprios da intelectualidade, tem-se, por exemplo, a palavra abortar, hoje repudiada como tal (parir antes do tempo da gestação) passando o assunto a ser discutido como "interrupção voluntária da gravidez". Os gangues vandalizadores e, não raras vezes mortíferos, são bondosamente apelidados "grupos de jovens desenraizados, não integrados”. 
O “analfabetismo” desapareceu cedendo o passo à "iliteracia" (de facto são termos que designam realidades diferentes, mas não foi essa a razão da substituição). 
Uma raínha do pimba chorosa deveria alterar a letra da sua cantilena de “sou mãe solteira” para “sou de família monoparental” ou coisa do género. 
As crianças que serão para nossa desgraça os “homens de amanhã” são insuportáveis e incomodam pelos seus gritos, atitudes e exigências os que as rodeiam, mas não são “mal-educadas”, têm simplesmente um "comportamento disfuncional hiperactivo” e em vez de um par de estalos são apaparicadas pelos pais com a condescendência carinhosa de alguns adultos. 
Para sossego e satisfação da maioria de "encarregados de educação", foi eliminado do vocabulário escolar a palavra “cábula”, o qual, no limite não é mais do que um adjectivo significando "aluno de desenvolvimento instável", o qual, longe de merecer crítica ou castigo (nunca!), é alvo de condescendente compreensão e apoio por parte dos pais que, criticam frequentemente de mão na anca os professores quando não chegam ao ponto de os ameaçar ou de bater-lhes.
Ainda há cegos, infelizmente. Mas como a palavra foi considerada desagradável e até aviltante, quem não vê é considerado "invisual" (o termo é gramaticalmente impróprio, como impróprio seria chamar inauditivos aos surdos, mas é o "socialmente correcto").
A intelectualidade da nossa praça, para se dar ares, desboca-se em "implementações", "posturas pró-activas", "políticas fracturantes", “sinergias”, “valências”, “análises contextuais” e outras barbaridades.
Assim linguarejamos o português, vagueando entre uma “correcção social ou política” e um novo---riquismo linguístico. 
Hoje, o vocábulo desempenha o papel da farda dos tempos muito antigos: dá a importância que falta a quem o utiliza.
A despropósito, o que dizer da “obra” de escultura que se encontra no alto do parque Eduardo VII em Lisboa? “Pirilau” (não vou mais além entrando no domínio da crueza) ou “homenagem à virilidade” dos capitães?
Fico-me por aqui com esta belíssima escultura de homenagem ao 25 de Abril. 


Ainda hoje, passados quase 40 anos, não percebo porque é que foi destruído um simples pedestal sem qualquer estilo (sobre o qual deveria estar a estátua de D. Nuno Álvares Pereira, actualmente em frente ao mosteiro da Batalha) e foram mantidas duas colunas com coroas fascizantes. 
Facilidade versus dificuldade? Diletantismo intelectual versus arte?

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Se...

Tradução livre de uma versão em língua francesa do poema " If " de Kippling (que me deram quando muito novo e que em mim sempre esteve presente). O texto original é muito diferente e transcreve-se no fim.
Se consegues ver a obra da tua vida destruída
E, sem dizeres uma única palavra, voltares a reconstruí-la,
Se consegues perder, de uma só vez, o lucro de cem coisas
Sem um gesto e sem um suspiro;
Se consegues ser amante sem ser louco de amor,
Se consegues ser forte sem deixar de ser terno
E, no entanto, sentindo-te odiado não odiares
Mas lutares e defenderes-te;
Se consegues aguentar ouvir as tuas palavras
Adulteradas por gentalha para engano de idiotas,
E de ouvir das suas desvairadas bocas mentiras sobre ti
Sem tu próprio mentires com uma única palavra tua;
Se continuas digno sendo popular,
Se consegues ser humilde sendo conselheiro de reis,
Se consegues amar os teus amigos como irmãos
Sem que nenhum deles seja tudo para ti;
Se sabes pensar, observar e conhecer,
Sem nunca seres céptico ou destruidor;
Sonhar mas sem deixar que o sonho seja o teu dono,
E meditares sem que os pensamentos sejam o teu propósito,
Se consegues ser duro sem nunca teres raiva;
Se consegues ser corajoso sem seres imprudente,
Se sabes ser bom, se sabes ser sábio,
Sem seres moralista ou pedante;
Se consegues encontrar o Triunfo depois da Derrota
E enfrentares do mesmo modo esses dois impostores,
Se consegues manter a coragem
Quando todos a perderam;
Então, os Reis, os Deuses, a Sorte, a Vitória,
Serão, para sempre, os teus submissos escravos,
E, o que é bem mais valioso do que reis e glória,
        Serás um homem, meu filho.            
(tradução livre do francês, LLP).



"IF" de  R. G. Kippling 
If you can keep your head when all about you
Are losing theirs and blaming it on you;
If you can trust yourself when all men doubt you,
But make allowance for their doubting too:
If you can wait and not be tired by waiting,
Or, being lied about, don't deal in lies,
Or being hated don't give way to hating,
And yet don't look too good, nor talk too wise;

If you can dream---and not make dreams your master;
If you can think---and not make thoughts your aim,
If you can meet with Triumph and Disaster
And treat those two impostors just the same:.
If you can bear to hear the truth you've spoken
Twisted by knaves to make a trap for fools,
Or watch the things you gave your life to, broken,
And stoop and build'em up with worn-out tools;

If you can make one heap of all your winnings
And risk it on one turn of pitch-and-toss,
And lose, and start again at your beginnings,
And never breathe a word about your loss:
If you can force your heart and nerve and sinew
To serve your turn long after they are gone,
And so hold on when there is nothing in you
Except the Will which says to them: "Hold on!"

If you can talk with crowds and keep your virtue,
Or walk with Kings---nor lose the common touch,
If neither foes nor loving friends can hurt you,
If all men count with you, but none too much:
If you can fill the unforgiving minute
With sixty seconds' worth of distance run,
Yours is the Earth and everything that's in it,
And---which is more---you'll be a Man, my son!

 












quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Falir e as eleições autárquicas

Os partidos do "arco do poder" faliram.

Foi-me dito que os blogues, por norma estabelecida não sei por quem em particular mas certamente pelos donos deles, têm que ser "originais". É como nas teses para doutoramento: têm que ser originais. A questão é de saber como é que tal é possível num mundo "supermaioritariamente" vulgar. 
Lembra-me uma afirmação de um professor catedrático da Universidade Técnica de Lisboa (hoje, e bem a meu ver, não há universidades técnica e clássica há apenas a de Lisboa) que eu ouvi, ainda aluno, quando da arguição de uma tese de doutoramento no IST: “na sua tese o que é bom não é original e o que é original não é bom” e sorria amigavelmente neste “jogo floral” consciente de que o bom original quando de dimensão  importante fica registado na história da ciência.
Os normais se querem ser doutores (ambição de muito imbecil) têm que se limitar ao original corrente o qual, geralmente, encontra-se no domínio do suficiente.
Por outro lado, acho que um dos objectivos fundamentais de um blog é, entre outros, a transmissão de conhecimentos e de informação. Assim, transcrevo, com deleite e a devida vénia, um texto de Ricardo Araújo Pereira sobre o verbo “falir” que além de ser original é muito bom.  


"E quando o leitor pensava que já tinha ouvido tudo acerca da crise, de repente fica a saber que, gramaticalmente, é muito difícil que Portugal vá à falência. E, enquanto for gramaticalmente impossível, eu acredito. Justifico esta ideia com a seguinte teoria fascinante: normalmente, considera-se que o verbo falir é defectivo. Significa isto que lhe faltam algumas pessoas, designadamente a primeira, a segunda e a terceira do singular, e a terceira do plural do presente do indicativo, e todas as do presente do conjuntivo. Não se diz "eu falo", "tu fales", nem "ele fale". Não se diz "eles falem". Todos os modos e tempos verbais do verbo falir se admitem, com excepção de quatro pessoas do presente do indicativo e todo o presente do conjuntivo. Em que medida é que isto são boas notícias? O facto de o verbo falir ser defectivo faz com que, no presente, nenhum português possa falir. Não é possível falir, presentemente, em Portugal. "Eu falo" é uma declaração ilegítima. Podemos aventar a hipótese de vir a falir, porque "eu falirei" é uma forma aceitável do verbo falir. E quem já tiver falido não tem salvação, porque também é perfeitamente legítimo afirmar: "eu fali". Mas ninguém pode dizer que, neste momento, "fale".
Acaba por ser justo que o verbo falir registe estas falências na conjugação. Justo e útil, sobretudo em tempos de crise. Basta que os portugueses vivam no presente - que, além do mais, é dos melhores tempos para se viver - para que não "falam" (outra conjugação impossível). Não deixa de ser misterioso que a língua portuguesa permita que, no passado, se possa ter falido, e até que se possa vir a falir, no futuro, ao mesmo tempo que inviabiliza que se "fala", no presente. Se eu nunca "falo", como posso ter falido? Se ninguém "fale", porquê antever que alguém falirá? Talvez a explicação esteja nos negócios de import/export. Nas outras línguas, é possível falir no presente, pelo que os portugueses que têm negócios com estrangeiros podem ver-se na iminência de falir. Mas basta que os portugueses não falem (do verbo falar, não do verbo falir) acerca de negócios com estrangeiros para que não "falam" (do verbo falir, não do verbo falar). Eu tenho esse cuidado, e por isso não falo (do verbo falir e do verbo falar).
Bem sei que o prof. Rodrigo Sá Nogueira, assim como outros linguistas, se opõe a que o verbo falir seja considerado defectivo. Mas essa é uma posição que tem de se considerar antipatriótica. É altura de a gramática se submeter à economia. Tudo o resto já se submeteu.".

Verbo defectivo…a gramática de hoje não é a do meu tempo. Desconhecia a existência de verbos defectivos. Coisas defectivas sim: coisas defeituosas, a que falta qualquer coisa.
Por exemplo, a ONU, a CE, a Troika, eteceteraetal e, também, os governos do presente e do próximo passado, os partidos do presente e quase certamente do próximo futuro e os políticos de hoje.
No passado os políticos eram, na sua maioria, experientes, não viviam da política porque exerciam uma profissão e tinham, em geral, uma ideia da causa pública. Foram substituídos por novatos incompetentes, inexperientes, sem profissão, preocupados apenas com a sua ascenção social e política e com a situação das suas finanças. Criados nas "jotas", tendo como objectivos o controlo das máquinas partidárias e o apadrinhamento de interesses, comandam hoje e provavelmente amanhã, directa ou indirectamente, o governo de Portugal. É ouvi-los e vê-los a “botar sabedoria” nos órgãos de comunicação social, sem o mínimo grão de humildade. Só à estalada. 
Esta miserável situação partidária, que afecta muito em particular os partidos do denominado "arco do poder", mereceu a rejeição dos cidadãos como é traduzido por uma análise dos resultados numéricos destas eleições autárquicas: 
PS/PSD/CDS obtiveram 4.324.534 votos em 2009 mas nestas eleições perderam no seu conjunto mais de um milhão e quinhentos mil votos e a abstenção de 47,4% foi a maior dos últimos trinta anos (28,6% em 1982, 40,99% em 2009).
O Grupo de Cidadãos Independentes recolheu 6,90% dos votos obtendo, assim, o quarto melhor resultado à margem de qualquer partido;
Os votos brancos e nulos (2,97% em 2009; 6,82% nestas eleições, ou seja, 130% mais) tiveram uma expressão dupla dos votos recolhidos pelo CDS (3,04%);
O PSD obteve apenas 16,5% dos votos e as coligações de outros partidos com o PSD recolheram 14,74% de votos, quase tantos como os obtidos pelo PSD;
O resultado obtido pelo PS (36,25%) foi em percentagem de votos inferior ao de 2009 (37,67%), o que “sabe a pouco” e está longe de poder ser considerado como uma vitória esmagadora.
Tendo em atenção o valor record da abstenção, o aumento exponencial dos votos brancos e nulos (os quais em conjunto representam um aumento de 10,3% em relação aos resultados de 2009), a vitória das listas de independentes (três conjuntos que totalizam 61,12% do número total de eleitores inscritos), a derrota do PSD e o semi sucesso do PS, de que côr é o cartão mostrado pelos eleitores aos partidos? Vermelho e isto sem ser necessário referir a clara vitória da CDU (11,06%)...


A este propósito consultar: www.eleicoes.mj.pt
 

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Ver Marte com a dimensão da Lua



Com alguma periodicidade própria da fantasia (ainda há quem esteja à espera do fim do mundo Maia em 2013...), têm aparecido nos últimos anos (sempre no fim do Verão) "alertas” do tipo:“um fenómeno astronómico extraordinário vai verificar-se, poderá ver Marte com as dimensões da Lua...”.  E há quem acredite, que acredite que nessa noite vai assistir ao tal fenómeno. E, pensando bem, será assim tão ingénuo?
Acho que não, não nos tempos que correm. 
Então não se acredita que Portugal vai regressar brevemente aos mercados? Provavelmente não, mas o que é que tal significaria no âmbito das medidas de austeridade e no dos sacrifícios dos portugueses?
Então não se acredita nas promessas eleitorais sendo elas que condicionam o voto na enorme maioria do eleitorado?
Então não se acredita que é agora que a justiça vai funcionar, que a corrupção vai acabar e que todos os trafulhas e pedófilos vão para a cadeia?
Então, porque não acreditar no Pai Natal ou que, numa fabulosa noite, se verá Marte com as dimensões da Lua? 
Então, então, porque não?...
Porque obviamente não e a explicação expedita, eventualmente grosseira, é a que segue (e se for errada ou demasiado tosca peço, desde já, desculpas). 
Considere-se, então e como mera simplificação (repito e sublinho), o teorema de Tales (como no 3º ano do Liceu se ensinou aos da minha geração, mas aqui d´el Rei se ele constasse hoje numa prova de aferição de conhecimentos). Tales, natural de Mileto na actual Turquia, foi um filósofo pré-socrático (625 aC-547 aC), considerado um dos “sete sábios da Grécia” e pai da ciência moderna; utilizava a geometria para resolver problemas matemáticos. Deve-se a ele o denominado “Teorema de Tales”.
Na presente questão o teorema pode colocar-se na seguinte forma:
“O diâmetro de Marte está para a distância de Marte à Terra assim como o diâmetro da Lua está para a distância da Lua à Terra.” 
Dados: 
- distância de Marte à Terra: considere-se o número 74.798.935 km (variável, função da órbita considerada); 
- distância da Lua àTerra: 384.400 km;
- diâmetro da Lua: 3.475 km.
Destes dados resulta, pela aplicação do teorema de Tales, que o diâmetro de Marte seria cerca de 676.148 km. 
Ora acontece que o diâmetro de Marte é na realidade cerca de 6805 km (100 vezes inferior). 
Isto é, se da Terra se observasse Marte com as mesmas dimensões da Lua, seria necessário que Marte tivesse um diâmetro cerca de 100 vezes superior ao que realmente tem. 
A conclusão parece-me ser a seguinte: 
No afã de uma notícia extraordinária, o “jornalista” esqueceu-se (?) de precisar que se referia a uma observação não a olho nu mas com luneta com um factor de ampliação de cerca de 100... 




quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Os tempos de hoje. Pois bem!



Num tempo de profunda e crise económica, financeira e social é imbecil certo tipo de mensagens e de discursos optimistas, do género amanhã estará tudo bem o mal é só para hoje. Se calhar essas afirmações (próprias de adultos mentecaptos para criancinhas temerosas ou de pacóvios caridosos para doentes em estado terminal) são verdadeiras se o amanhã significar duas ou mais décadas e o hoje ser o mesmo do amanhã.
O realismo e a verdade sempre foram as melhores atitudes face ao infortúnio, sendo o silêncio uma atitude alternativa digna e séria. A mentira, que se revela sempre, é raramente justificável.
Os portugueses andam distraídos e, sobretudo, esquecidos: temos uma história gloriosa e cheia de realizações “impossíveis”. 
Somos um povo que sempre revelou qualidades extraordinárias: bravura no limite da temeridade, trabalho esforçado nas condições mais difíceis, qualidades raras de adaptação a meios diferentes, de aceitação de outras raças e culturas, inteligência, poesia nas mais profundas e mais ligeiras coisas da vida, lealdade e honra (conceitos hoje em dia muito nebulosos), persistência, imaginação, “desenrascanço” e tantas outras mais. Mas não, hoje vivemos complexados e deslumbrados com o estrangeiro. Nórdico, em particular. 
Defeitos? Claro que sim como tudo o que é terreno, ou seja tudo.
Mas os defeitos acentuaram-se com a integração noutros espaços e culturas de que estivemos afastados durante séculos e o esquecimento das nossas qualidades é uma confrangedora realidade, com excepção dos reinos (porque o são) da política e do futebol onde a mediocridade impera e é alarvemente alimentada. 
Vivemos na “civilização do espectáculo” (ler um dos últimos livros de Vargas Llosa sobre este assunto). O que faz falta em Portugal são opiniões e colunas vertebrais direitas podendo, claro, serem esquerdas...
A este propósito, veio-me à mente este poema de Afonso Lopes Vieira. 
Leiam, não vos fará mal e, sobretudo, é animador.

                         Pois bem!
Se um inglês ao passar me olhar com desdém,
num sorriso de dó eu pensarei: — Pois bem!
se tens agora o mar e a tua esquadra ingente,
fui eu que te ensinei a nadar, simplesmente.
Se nas Índias flutua essa bandeira inglesa,
fui eu que t'as cedi num dote de princesa.
e para te ensinar a ser correcto já,
coloquei-te na mão a xícara de chá...

E se for um francês que me olhar com desdém,
num sorriso de dó eu pensarei: — Pois bem!
Recorda-te que eu tenho esta vaidade imensa
de ter sido cigarra antes da Provença.
Rabelais, o teu génio, aluno eu o ensinei
Antes de Montgolfier, um século! Voei
E do teu Imperador as águias vitoriosas
fui eu que as depenei primeiro, e ás gloriosas
o Encoberto as levou, enxotando-as no ar,
por essa Espanha acima, até casa a coxear

E se um Yankee for que me olhar com desdém,
Num sorriso de dó eu pensarei: — Pois bem!
Quando um dia arribei á orla da floresta,
Wilson estava nu e de penas na testa.
Olhava para mim o vermelho doutor,
- eu era então o João Fernandes Labrador...
E o rumo que seguiste a caminho da guerra
Fui eu que to marquei, descobrindo a tua terra.

Se for um Alemão que me olhar com desdém,
num sorriso de dó eu pensarei: — Pois bem!
Eras ainda a horda e eu orgulho divino,
Tinha em veias azuis gentil sangue latino.
Siguefredo esse herói, afinal é um tenor...
Siguefredos hei mil, mas de real valor.
Os meus deuses do mar, que Valhala de Glória!
Os Nibelungos meus estão vivos na História.

Se for um Japonês que me olhar com desdém,
num sorriso de dó eu pensarei: — Pois bem!
Vê no museu Guimet um painel que lá brilha!
Sou eu que num baixel levo a Europa á tua ilha!
Fui eu que te ensinei a dar tiros, ó raça
belicosa do mundo e do futuro ameaça.
Fernão Mendes Zeimoto e outros da minha guarda
foram-te pôr ao ombro a primeira espingarda.

Enfim, sob o desdém dos olhares, olho os céus;
Vejo no firmamento as estrelas de Deus,
e penso que não são oceanos, continentes,
as pérolas em monte e os diamantes ardentes,
que no meu orgulho calmo e enorme estão fulgindo:
São estrelas no céu que o meu olhar, subindo,
extasiado fixou pela primeira vez...
Estrelas coroai o meu sonho português!

Post Scriptum.
A um espanhol, claro está, nunca direi:
Pois bem!
Não concebo sequer que me olhe com desdém.
                                                                Afonso Lopes Vieira
                                                                                                1878 - 1946

PS: Ó saxões, francos, yankis, alamanos, japoneses, castelhanos, desculpem qualquer coisinha.