sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Muene Puto



“Nós ficaremos aqui, me disse a orgulhosa Ambuela (...) e só te digo, branco, que se tu és secúlo do Muene Puto eu sou filha do sova”.

(do Atlântico ao mar Índico - Serpa Pinto)


“Baixa a tola caloiro” e eu, com dez anos, o puto, baixava e levava um caldo. Dois anos depois, eu, um puto, era autorizado a participar na cerimónia com os novos caloiros, também putos. Passava-se no Liceu Normal de Pedro Nunes em Lisboa.
E durante alguns anos fiz parte desses “...bandos de pardais à solta; os putos, os putos; são como índios, capitães da malta; os putos, os putos “.
Mais tarde, muito mais, tinha eu barba cerrada preta, no mato de terras de África, alferes em guerra, ansiava pela minha viagem ao “puto” como o meu mainato chamava a Portugal continental.
Nunca a palavra “puto” teve para mim outro significado que não fosse coisa pequena ou, mais propriamente, “menino, garoto, miúdo pequeno...”. Até que a ânsia de saber e de saber cada vez mais em cada vez mais coisas me marcou novo encontro com a palavra “Muene Puto”.
O acumular do saber é, para mim, fonte de enorme prazer seja qual for o domínio. Que maravilha é o saber e que tristeza é para mim a perda de memória. Nunca morrer? Sim se. Se for para saber mais e mais de mais e mais coisas, das mais pequenas às maiores, das mais insignificantes às mais importantes e mesmo que a morte fosse no infinito do tempo nunca eu conseguiria saber tudo o que gostaria de saber.
Pela Conferência de Berlim (1884-1885) as potências europeias dividiram entre si África pintando o seu mapa com várias cores: rosa para Portugal (de Angola a Moçambique); encarnado para a Inglaterra (do Cairo ao Cabo), azul para a França (do Niger ao Mar Vermelho). Posteriormente, a Itália apoderar-se-ia do norte de África e da Etiópia e a Alemanha dos Camarões, do Togo, da Namíbia e da Tanzânia.
A Conferência catalizou as expedições de H. Capelo, R. Ivens, Serpa Pinto e Henrique de Carvalho, mas antes dela , de 1798 a 1879, já os portugueses exploravam o interior de Angola e o de Moçambique sendo os primeiros “muzungos” (como eram designados os brancos pelos povos do litoral atlântico) a contactar com os reis e imperadores do interior, a mando do nunca visto, muito imaginado, muito poderoso e muito rico rei de Portugal. Como exemplo desse pioneirismo, é interessante referir que pouco antes de 1853, data da morte da raínha D. Maria II, o rei Musiri do Garanganja (região próxima do actual Katanga) escreveu a Capelo (Sr. Branco Manjor) assinando no fim como “Muxiré Maria Segunda”.  
(...) que o que procura esteja sempre em busca até que encontre (...) não existe nada de escondido que não se revele ( ..) procurem e encontrarão (...).
 
Foi no meio da minha habitual pilha de livros para ler que escolhi
“Exploradores Portugueses e Reis Africanos” de Frederico Delgado Rosa e Filipe Verde. O livro recupera os relatos dos exploradores portugueses,
nomeadamente de Silva Porto, Hermenegildo Capelo, Roberto Ivens, Serpa Pinto e Henrique de Carvalho, focando, comentando e enquadrando temas e situações. Lá aparece a explicação de “Muene Puto”.
Em várias línguas de Angola Muene Puto designava o "senhor branco" ou o rei de Portugal e por extensão o próprio país ou as autoridades locais. Mas, literalmente, “Muene Puto” significa “Senhor dos Mortos” e esta designação resultou do comércio de escravos entre Portugal e os potentados africanos. Os escravos eram por estes vendidos aos muzungos e como nunca mais eram vistos era crença que chegados ao seu destino eram mortos.
O Muatiânvua Quinaueti, senhor da Lunda, disse ao morrer ao seu povo: “...Eu não morro, transformo-me em morto para ir visitar o Mueno Puto...”.
      

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