quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Os tempos de hoje. Pois bem!



Num tempo de profunda e grave crise económica, financeira e social é imbecil
certo tipo de mensagens e de discursos optimistas, do género amanhã estará tudo bem o mal é só para hoje. Se calhar essas afirmações (próprias de adultos mentecaptos para criancinhas temerosas ou de pacóvios caridosos para doentes em estado terminal) são verdadeiras se o amanhã significar duas ou mais décadas e o hoje ser o mesmo de o amanhã.
O realismo e a verdade sempre foram as melhores atitudes face ao infortúnio, sendo o silêncio uma atitude alternativa digna e séria. A mentira, que se revela sempre, é raramente justificável.
Os portugueses andam distraídos e, sobretudo, esquecidos: temos uma história gloriosa e cheia de realizações “impossíveis”. 
Somos um povo que sempre revelou qualidades extraordinárias: bravura no limite da temeridade, trabalho esforçado nas condições mais difíceis, qualidades raras de adaptação a meios diferentes, de aceitação de outras raças e culturas, inteligência, poesia nas mais profundas e mais ligeiras coisas da vida, lealdade e honra (conceitos hoje em dia muito nebulosos), persistência, imaginação, “desenrascanço”e tantas outras mais. Mas não, hoje vivemos complexados e deslumbrados com o estrangeiro. Nórdico, em particular. 
Defeitos? Claro que sim como tudo o que é terreno, ou seja tudo.
Mas os defeitos acentuaram-se com a integração noutros espaços e culturas de que estivemos afastados durante séculos e o esquecimento das nossas qualidades é uma confrangedora realidade, com excepção dos reinos (porque o são) da política e do futebol onde a mediocridade impera e é alarvemente alimentada. 
Vivemos na “civilização do espectáculo” (ler um dos últimos livros de Vargas Llosa sobre este assunto). O que faz falta em Portugal são opiniões e colunas vertebrais direitas podendo, claro, serem esquerdas...
A este propósito, veio-me à mente este poema de Afonso Lopes Vieira. 
Leiam, não vos fará mal e, sobretudo, é animador.

                         Pois bem!
Se um inglês ao passar me olhar com desdém,
num sorriso de dó eu pensarei: — Pois bem!
se tens agora o mar e a tua esquadra ingente,
fui eu que te ensinei a nadar, simplesmente.
Se nas Índias flutua essa bandeira inglesa,
fui eu que t'as cedi num dote de princesa.
e para te ensinar a ser correcto já,
coloquei-te na mão a xícara de chá...

E se for um francês que me olhar com desdém,
num sorriso de dó eu pensarei: — Pois bem!
Recorda-te que eu tenho esta vaidade imensa
de ter sido cigarra antes da Provença.
Rabelais, o teu génio, aluno eu o ensinei
Antes de Montgolfier, um século! Voei
E do teu Imperador as águias vitoriosas
fui eu que as depenei primeiro, e ás gloriosas
o Encoberto as levou, enxotando-as no ar,
por essa Espanha acima, até casa a coxear

E se um Yankee for que me olhar com desdém,
Num sorriso de dó eu pensarei: — Pois bem!
Quando um dia arribei á orla da floresta,
Wilson estava nu e de penas na testa.
Olhava para mim o vermelho doutor,
- eu era então o João Fernandes Labrador...
E o rumo que seguiste a caminho da guerra
Fui eu que to marquei, descobrindo a tua terra.

Se for um Alemão que me olhar com desdém,
num sorriso de dó eu pensarei: — Pois bem!
Eras ainda a horda e eu orgulho divino,
Tinha em veias azuis gentil sangue latino.
Siguefredo esse herói, afinal é um tenor...
Siguefredos hei mil, mas de real valor.
Os meus deuses do mar, que Valhala de Glória!
Os Nibelungos meus estão vivos na História.

Se for um Japonês que me olhar com desdém,
num sorriso de dó eu pensarei: — Pois bem!
Vê no museu Guimet um painel que lá brilha!
Sou eu que num baixel levo a Europa á tua ilha!
Fui eu que te ensinei a dar tiros, ó raça
belicosa do mundo e do futuro ameaça.
Fernão Mendes Zeimoto e outros da minha guarda
foram-te pôr ao ombro a primeira espingarda.

Enfim, sob o desdém dos olhares, olho os céus;
Vejo no firmamento as estrelas de Deus,
e penso que não são oceanos, continentes,
as pérolas em monte e os diamantes ardentes,
que em meu orgulho calmo e enorme estão fulgindo:
São estrelas no céu que o meu olhar, subindo,
extasiado fixou pela primeira vez...
Estrelas coroai meu sonho Português!

Post Scriptum.
A um Espanhol, claro está, nunca direi:
Pois bem!
Não concebo sequer que me olhe com desdém.
                                                                Afonso Lopes Vieira
                                                                                                1878 - 1946

PS: Ó saxões, francos, yankis, alamanos, japoneses, castelhanos, desculpem qualquer coisinha.

 

 
 

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