quarta-feira, 28 de novembro de 2012

A "Troika", os pactos e as guerras



Em 17 de Maio de 2011 foi assinado o “Memorando de Entendimento sobre as Condicionalidades de Política Económica” entre Portugal - cujo governo era na altura liderado por José Pinto de Sousa (mais conhecido por engenheiro Sócrates) - e o FMI, BCE e a EU, a denominada “troika”.
“Troika” é um termo russo que significa em política um conjunto de três personagens e que na linguagem do dia-a-dia designa um carro puxado por três cavalos alinhados lado a lado. Escolham.

O memorando foi assinado pelo Ministro de Estado e das Finanças, pelo Governador do Banco de Portugal e pela Comissão Europeia. É um documento cuja leitura é muito interessante para a aferição das declarações dos seus apoiantes (cada vez em menor número) e dos seus opositores (cada vez mais alinhados com as críticas na altura feitas pela designada “esquerda radical”, PCP e BE).
A tradução para português do documento original escrito em inglês foi feita mais tarde, salvo erro em 25 de Maio: http://www.portugal.gov.pt/media/371372/mou_pt_20110517.pdf.
É um pormenor insignificante dado que o “inglês técnico” está, como se sabe, rápida e facilmente ao alcance de qualquer um, em particular dos “engenheiros”.
No entanto, numa espécie de preâmbulo, a tradução do referido memorando sublinha que “O idioma da versão original e oficial do Memorando em referência é o inglês. A presente versão em português corresponde a uma tradução do documento original e é da exclusiva responsabilidade do Governo português. Em caso de eventual divergência entre a versão inglesa e a portuguesa, prevalece a versão inglesa”. 
Na altura, o PCP e o seu braço sindical, a CGTP, recusaram participar em qualquer reunião com a “troika”. Fizeram mal.
Agora, designam aquele memorando como “pacto de agressão” e falam de “pátria”. Vocábulos que não deixam de ser estranhos.
De facto, por um lado, em Agosto de 1939 foi assinado pelo então ministro soviético Molotov e pelo ministro da Alemanha nazi Ribbentrop um “pacto de não agressão”. Em linhas gerais, estabelecia que nenhum daqueles estados favoreceria os inimigos do outro, nem tão pouco invadiriam os seus respectivos territórios e, em dois protocolos secretos, efectuava-se a partilha dos territórios da Europa de Leste em zonas de influência. 
                  
Por outro lado e no que se refere à defesa dos interesses da “pátria” (termo que em tempos recentes era considerado fascizante, reaccionário), de acordo com Karl Marx "os operários não têm pátria. Não se lhes pode tirar aquilo que não possuem" e "a acção comum do proletariado, pelo menos nos países civilizados, é uma das primeiras condições para sua emancipação". Nem o PCP nem o BE renegaram o marxismo, o qual estabelece uma definição de pátria incompreensível com a das suas afirmações públicas de hoje.
Tanto o PCP como o BE, reclamam a paternidade dos remédios que hoje, mas só hoje, os economistas de diferentes quadrantes políticos prescrevem, nomeadamente a “renegociação” da dívida. 
A Europa está em guerra, mas numa guerra de outro tipo das do passado. Não é militar mas económica e financeira e o seu resultado não será ditado por tropas comandadas pelos melhores generais, mas por interesses financeiros sem pátria e que nomeiam mandantes para a defesa dos seus interesses no mundo da política.
Neste aspecto a “esquerda radical” acerta na “mouche” mas não identifica aquelas criaturas cá do sítio, por “consideração pessoal” ou “intelectual”, como fazem questão em sublinhar quando em público as defrontam. Consideração “política” é que não apregoam, como é razoável.
No fundo, são oficiais do mesmo ofício e o companheirismo corporativo impõe-se como é por demais evidente.
As guerras europeias caracterizaram-se por “troikas” e, também, por “parelhas”.
A 1ª Guerra Mundial (que durou cerca de 4 anos) teve como protagonistas a “troika” dos netos da rainha Victória de Inglaterra: Guilherme II (último kaiser da Alemanha), Jorge V (rei do Reino Unido) e Nicolau II (último czar da Rússia). Todos primos, tudo em família.
Estranha família essa na qual Jorge ignorou um apelo do bolchevique Lenine para acolher o seu primo Nicolau, o que teria salvo este último.

A 2ª Guerra Mundial (que durou cerca de 6 anos) foi nos seus inícios europeia com a “parelha” Inglaterra e França por um lado e, por outro, a Alemanha.
Ambas as guerras foram de mortandade inimaginável quando comparada com qualquer das anteriores de qualquer época. Mortos: 19 milhões de soldados e 1 milhão de civis na 1ª, 20 milhões de soldados e 40 milhões de civis na 2ª.
Resultados da tecnologia “como matar muito”. 
Claro que é tudo uma questão de escala e de sensibilidade (ficamos mais impressionados com a doença grave da vizinha do lado do que com os milhões de chineses que morrem à fome).   
Abordou-se, muito resumidamente é certo, o contemporâneo. Considere-se agora uma guerra europeia, de “parelhas”, que teve directa influência no xadrez ibérico (Castela do lado da França, Portugal do lado da Inglaterra), nomeadamente no sucesso da dinastia de Avis (na batalha de Aljubarrota seguiram-se as novas tácticas guerreiras inglesas: combate apeado de uma cavalaria ligeira apoiado por archeiros, versus a cavalaria pesada tradicional).
Refiro-me à “Guerra dos 100 anos”. 

A guerra dos 100 anos cobre, de facto, um período de 116 anos (1337-1453) durante o qual se confrontam em território francês duas dinastias: a dos Plantagenetas e a dos Valois (ramo da dinastia dos Capetos).                                   
Naquele tempo a Europa atravessava uma crise económica, demográfica, política e religiosa (“Grande Cisma do Ocidente” – A França apoia o papa de Avinhão, a Inglaterra o de Roma) e a guerra tem como principal causa as questões da Guiana (feudo da Inglaterra), da Escócia (católica, com a qual a França tem uma aliança de defesa mútua) e da Flandres (na esfera de influência inglesa e em constantes revoltas contra a França). A questão dinástica é apenas o pretexto oficial para a declaração de guerra.
Quando Eduardo III, rei de Inglaterra, filho de Isabel de França, neto de Filipe “le Bel”, presta com muitas reticências, homenagem a Filipe VI, rei eleito pelos pares de França e sobrinho de Filipe “le Bel”, fica seu vassalo pelo feudo da Guiana (Aquitânia). Esta situação é fonte de permanentes conflitos porque, na prática, um julgamento feito na Guiana podia ser objecto de recurso no tribunal de Paris e não no de Londres. O rei de França tinha pois o poder de revogar todas as decisões judiciais tomadas pelo rei de Inglaterra na Guiana, situação totalmente inaceitável para os ingleses e fonte de permanentes conflitos que conduziram a uma declaração de guerra em 1337 acompanhada de uma reivindicação de direitos à coroa francesa por parte de Eduardo III.
Nos primeiros anos da guerra a Inglaterra vence em todos os campos, chegando o rei de França João II (filho de Filipe VI) a ser feito prisioneiro na batalha de Poitiers (1356) e detido em Londres sendo libertado em 1360 pelo pacto de Brétigny. No período final da guerra a Inglaterra é vencida e perde todas as suas possessões em território francês com excepção de Calais, pelo pacto de Picquigny em 1475.
“Quem tudo quer tudo perde”.
Esta guerra do século XIV, resultante em parte da partilha de soberanias, durou mais de 100 anos. E esta, a do século XXI, também relacionada com a soberania de nações e que assola não dois países mas mais outros, quanto tempo durará? 
Mais de uma geração certamente.








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