quarta-feira, 9 de setembro de 2015

O tinteiro



         “...Ah, todo eu anseio por este momento sem importância nenhuma...”

Lembro-me de ele me ter dito  “Acha bem 7 de Abril?“. Já? Senhor doutor tem que ser já? retorqui com medo e desapontamento (nas tragédias da vida os humanos nunca abandonam a esperança do impossivel). Não pode ser depois do Verão? 
Estávamos em Junho e depois de três semanas de cama e de outro tanto de canadianas eu já me sentia quase bom mas de “rápido” aquilo, para mim, não tinha tido nada. Desconfortáveis e penosas recordações passavam-me pela cabeça enquanto maquinalmente dava uma ordem de print. Print mas nada até que no écran da maquineta surgiu a indicação de falta de tinta na impressora. A geringonça demonstrava sistematicamente uma infalivel competência e só lhe faltava falar o que a ciência infelizmente nunca (?) conseguirá. 

Gaita, gaita e regaita. Porque é que estas coisas só acontecem aos fins-de-semana ou depois das sete da tarde? Durante os chamados dias úteis não há faltas ou avarias mas aos Sábados e aos Domingos parece que nunca falha. Bolas, bolas e rebolas. Úteis?! Mas esta malta não me conhece. Vou “printar” isto hoje, Sábado depois das seis, ou não seja eu neto do meu avô. E peguei nas “páginas amarelas”... Tin...tin... ora cá  está, não...tinturarias...comp... comp...sim, computadores...também não, espera lá  “veja também em informática, equipamentos e acessórios”..., voilá disse eu triunfante e mais triunfante fiquei ao ler uma morada bem perto, ali na Maria Pia. 
Quando do lado de lá atenderam e disseram que sim, que tinham o material e garantiram, em resposta ás minhas súplicas e garantias de proximidade imediata, que esperariam por mim, fui invadido por vertigens de alívio e de alegria. 


Desci a rua íngreme, que a luz enviada pelo Tejo no fim daquela tarde de Verão quase tornava linda, e deparei, na esquerda, com o local que me fora descrito ao telefone. 
O entusiasmo e a pressa eram tais que ao lá chegar quase pontualmente achei que podia prescindir das canadianas. Saí do carro com visivel esforço e comecei a andar à “robocop” numa estrita observância das regras estabelecidas pela minha fisioterapeuta  “dedos-calcanhar, dedos-calcanhar, braços a balançar para o peito, esquerdo-direito, esquerdo-direito, tronco direito, olhos bem em frente“. 
Vi com impaciência o número da porta junto à qual estava indolentemente encostado de joelho alçado e pé apoiado na ombreira um homem, em mangas de camisa e cigarro ao canto da boca, que me tinha curiosamente observado desde a saída do carro. 
“Não vale a pena tocar, ele já saíu“ disse-me ele gozosamente e sorrindo. Saíu como? respondi-lhe eu agressivamente. Saíu como, se falei com ele há menos de meia hora? 
”Ó senhor não se enerve que a vida são dois dias. Já lhe disse...saíu. Olhe, vi-o passar por aqui vai para mais de um quarto de hora”. 
Isto é um país de selvagens, exclamei furioso e continuei: bem sei que um miserável tinteiro não é nada comparado com a venda de um computador, mas o homem prometeu-me esperar... 
“Tinteiro? Tinteiro?“ interrogou ele perplexo, acordando da indolência. “Então o senhor não vem ao endireita do primeiro?“.



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