Frequentemente, insisto com outros (que comigo concordam) que existe uma
enorme diferença entre instrução e educação.
O desabafo que se segue vem a propósito dos pequenos escândalos que
recentemente assolaram este país, nomeadamente a invocação de falsas
licenciaturas por responsáveis de órgãos de protecção civil e a denúncia de
gestão danosa em instituições de solidariedade social.
O que distingue o ensino, a instrução da educação?
Ensino é a transmissão de conhecimentos, por exemplo de matemática,
português, história, geografia, línguas, ciências, etc. Educação é incutir o bé-á-ba
de uma relação social (bom dia, boa tarde, obrigado, desculpe, se faz favor…) e
de comportamentos (ser pontual, respeitar os outros, ser-se arrumado, não
deitar lixo para o chão, não mentir, ser solidário, ser honesto…). Por estes
meros exemplos vê-se que existe entre os dois conceitos uma grande diferença.
Pode haver, e há, crânios muitíssimo instruídos mas que não passam de gente
mal educada, tal como há outros muito pouco qualificados e que no dia-a-dia se
comportam como senhores.
Há uma barreira, uma distinção, entre o que a academia dá e o que a escola,
a família, os amigos, a sociedade no seu todo, ensinam como comportamento. De
um lado, tem-se o vinte em saber e umas poeiras em comportamento e, do outro, têm-se
umas migalhas de conhecimento e o que deveria ser uma esforçada acção educativa
sobre o saber estar-se em sociedade.
Como mera prova, percorra-se
um supermercado, frequente-se um restaurante, procure-se o bem estar de uma
praia e assista-se às gritadas e desordenadas birras das criancinhas sob o
olhar complacente ou distante dos pais, quando não embevecido.
Claro que nem tudo é preto ou branco, há, como sempre, uma nuvem de
cinzento na qual, infelizmente, a realidade de hoje só difícil ou raramente se
descortina.
A sinistralidade rodoviária, a pequena criminalidade, as disputas públicas,
a gestão danosa para proveito próprio e a imbecilidade e a iliteracia mediática
reduzir-se-iam drasticamente com uns gramas de educação. Mas não, é vê-los,
ouvi-los, inchados com a importância conferida pelos graus de conhecimento e
pelo poder que outros lhe deram.
Licenciado, mestre, doutor e qualquer outro grau (mesmo em instituições de aviário)
é mais do que necessário mas é pouco. Fundamental é ser-se o que nunca se
sonhou ser-se na escala de uma sociedade sã e, também, o poder praticar-se
impunemente a golpada, a mentira, a prepotência para com terceiros, mesmo que
tal tenha como preço o desrespeito por si próprio.
Poder é o que importa (em geral
muito bem pago, em numerário ou em prepotência ou retribuído, em troca de
cadeiras ou de favores). Poder, nem que este seja conquistado por uma sucessão
de acasos de diversa origem, tais como o nepotismo puro ou partidário (tu és
meu logo és dos nossos), a negociata (toma lá isto e não te esqueças para o que
vier no futuro), a falta de vergonha (juro, desconheço totalmente, é uma
cabala, etc.).
O importante para os coitados que nos governam ou que ensinam as crianças é
a preocupação de se estar na média europeia da literacia e a embevecida análise
de se ter abandonado os maus números estatísticos herdados do anterior regime.
É claro que isto foi importante, mas foi um salto quantitativo que sendo de
saudar afastou dramaticamente a juventude da “boa educação” a qual, quer se
goste ou não, pautava o “antigamente”, o qual, aliás, existirá sempre.
Esta juventude tem já ou terá amanhã a responsabilidade de garantia de uma
boa educação da sociedade em que se insere tendo em atenção a sua qualidade de
futuros educadores como pais, professores, chefes.
Mas não, basta ver, por exemplo, as manifestações de professores os quais, pelo
seu comportamento grosseiro e vociferante, são tudo menos exemplo aos jovens
que instruem, bem ou mal. Por outro lado, os pais e avós sofrem de uma
benevolência míope, de um total alheamento perante as birras das suas adoráveis
e mal educadas criancinhas.
Antes poderia haver uma instrução limitada para uma muito grande faixa da
população e a instrução nos graus superiores era reservada a uns poucos sendo,
no entanto, exigentíssima (contrariamente ao que hoje sucede) e não ficando
nada a dever à prática das melhores academias europeias.
Havia, sobretudo e nos dois casos, o respeito pelo outro, respeito esse que
se incutia desde pequenino e era transmitido de pais para filhos numa sociedade
que na sua generalidade era bem educada.
Hoje? As falcatruas financeiras, os escândalos futebolísticos, a gestão
danosa, os lamentáveis galhardetes parlamentares, os passa-culpas políticos, as
licenciaturas de aviário,... Na generalidade, gente sem vergonha e que deveria,
se ainda fosse tempo, levar frequentemente umas valentes palmadas.
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