sexta-feira, 23 de novembro de 2018

A derrocada da "Estrada de Borba"



Hoje foi noticiado que o presidente da Câmara Municipal de Borba, tinha conhecimento desde 2004 da falta de segurança da estrada, como é comprovado numa acta da Assembleia Municipal de 2014.
Assisti às declarações do Sr. Anselmo na conferência de imprensa realizada logo a seguir da catástrofe. A sua atitude, a sua quase violenta negação de um conhecimento prévio, a sua declaração de assumir toda e qualquer responsabilidade, impressionaram-me.
Como a memória dos responsáveis é curta mesmo para o que é recente, lembre-se o trágico colapso em 2001 da ponte Hintze Ribeiro que ligava Castelo de Paiva a Entre-os-Rios e que matou 59 pessoas. Lembre-se o enorme incêndio que assolou o distrito de Leiria em 2017. Foi o maior e mais mortífero incêndio florestal no país desde 1900 e o 11º a nível mundial, com 67 mortos e 254 feridos.
Duas tragédias de naturezas diferentes mas com causas semelhantes que merecem algumas observações.
A primeira e a mais evidente foi, em Entre-os-Rios, o louvável e imediato pedido de demissão do ministro do Equipamento Social responsável pelas condições de segurança daquela obra do Estado. No caso de Pedrógão, os ministros responsáveis ficaram nos seus lugares impávidos ou chorosos só sendo substituídos tempos depois no âmbito de uma remodelação governamental.
A segunda observação, consiste na semelhança das causas das tragédias: negligência e incompetência. Voltaram a ocorrer na recente tragédia da EN 255 entre Borba e Vila Viçosa.
Será que somos, como já no tempo dos romanos se afirmava, um povo que não se sabe governar e que não se deixa governar? Será que somos, como muitos diletantemente afirmam, um povo sem técnicas apuradas e sem regulamentação adequada? Ou será que a deficiente educação, o proveito-próprio e os diversos interesses se apoderaram deste pobre país?
Sempre tive a convicção que, contrariamente ao adágio romano, o povo português reúne as qualidades necessárias para ser bem governado mas que as más elites florescem como as pragas que não são evitadas ou combatidas a tempo. Leia-se a História de Portugal.
Falta de Técnica? Para não referir “pequenas” invenções como o astrolábio náutico no século XV (Abraão Zacuto para D. João II) e o nónio no século XVI (Pedro Nunes), Portugal revolucionou a arte de navegar e as suas descobertas “não se fezeram indo a acertar”, resultaram de estudos e de metódicas pesquisas.
Regulamentação? Depois to sismo de 1755, Portugal criou o mais moderno regulamento de construção e no domínio das estruturas tinha, reconhecidamente e até à publicação dos Eurocódigos, as mais avançadas normas a nível mundial.
A tragédia da derrocada da estrada de Borba é paradigmática.
Como é possível ignorar a inconcebível barbaridade de uma estrada com um troço da ordem dos 100 m com bermas distantes escassos 5 m de duas enormes crateras de mármore escavado (quando o mínimo legal é de 50m), com paredes na vertical e com alturas de 90m e de 80 m? Quem autorizou? Como é possível uma via de circulação cuja falta de segurança era conhecida há mais de 10 anos ser utilizada por autocarros de turismo, por transportes escolares e pelos moradores da região? Como é possível que as autoridades responsáveis pela segurança dos cidadãos não tenham interdito aquela estrada? Como é possível que tão escandalosa situação não seja objecto de contundente comentário de ministros e do presidente da república os quais apenas sublinham a prioridade de garantir a segurança das operações de resgate?
Se existe Técnica competente e Regulamentação adequada, onde reside, então, a causa de tragédias materiais e humanas resultantes de colapsos estruturais e de incêndios florestais? Tudo aponta para negligência, irresponsabilidade, incompetência, interesses de vária ordem e na total falência dos serviços públicos.
Depois, na prática, a justiça não funciona: investiga-se muito, demoradamente, mas não se apuram concisas e claras responsabilidades que são sempre demasiado dispersas.
O pior é que há por aí muita obra a qual, em termos de segurança, mereceria das entidades responsáveis imediata atenção e competente intervenção. Mas não, vai ficar quase tudo na mesma.  


Sem comentários:

Enviar um comentário