No péssimo panorama televisivo nacional há uma honrosíssima excepção, com a espada do encerramento sempre suspensa por faltas de dinheiro, poupanças, "racionalidades", imbecilidades e etc. Trata-se da RTP 2.
Os outros canais são maus
e quase iguaizinhos, nomeadamente nas telenovelas (de muito fraca qualidade
dentro dos padrões internacionais) e no futebol (uma cansativa obsessão) que
constituem, infelizmente, o núcleo da programação.
Nestas miseráveis
circunstâncias, qualquer pódio é irrelevante assim como ridiculamente
irrelevantes são as apregoadas quotas de audiência. É bom de ver que nesta luta
entre maus e bons sendo todos maus com excepção de um este fica sempre numa
posição de difícil concorrência numa sociedade com as fragilidades culturais
como é a nossa.
Com o seu enorme poder a
televisão deveria ser um instrumento de instrução, de cultura e de são entretenimento, mas
não: é orientada para a conquista de mercados publicitários. Estes, por sua vez,
pretendem atingir a maior população possível e esta é, infelizmente e na sua
esmagadora maioria, deseducada e pobremente instruída. Fica, assim, à mercê de
direcções de informação pouco competentes, que não sabem enquadrar devidamente o
noticiário internacional praticamente inexistente e, também, de jornalistas
que, na sua maioria mas com honrosas excepções, lêem ou escrevem mal e papagueiam.
A este propósito
transcrevo, pela sua qualidade e actualidade, um artigo de António
Barreto. Aqui vai ele, com a devida vénia:
"É simplesmente
desmoralizante. Ver e ouvir os serviços de notícias das três ou quatro estações
de televisão é pena capital. A banalidade reina. O lugar-comum impera. A
linguagem é automática. A preguiça é virtude. O tosco é arte. A brutalidade
passa por emoção. A vulgaridade é sinal de verdade. A boçalidade é prova do que
é genuíno. A submissão ao poder e aos partidos é democracia. A falta de cultura
e de inteligência é isenção profissional.
Os
serviços de notícias de uma hora ou hora e meia, às vezes duas, quase únicos no
mundo, são assim porque não se pode gastar dinheiro, não se quer ou não sabe
trabalhar na redacção, porque não há quem estude nem quem pense. Os
alinhamentos são idênticos de canal para canal. Quem marca a agenda dos noticiários
são os partidos, os ministros e os treinadores de futebol. Quem estabelece os
horários são as conferências de imprensa, as inaugurações, as visitas de
ministros e os jogadores de futebol.
Os
directos excitantes, sem matéria de excitação, são a jóia de qualquer serviço.
Por tudo e nada, sai um directo. Figurão no aeroporto, comboio atrasado,
treinador de futebol maldisposto, incêndio numa floresta, assassinato de
criança e acidente com camião: sai um directo, com jornalista aprendiz a falar
como se estivesse no meio da guerra civil, a fim de dar emoção e fazer humano.
Jornalistas em directo gaguejam palavreado sobre qualquer assunto: importante e humano é o directo, não editado, não pensado, não trabalhado, inculto, mal dito, mal soletrado, mal organizado, inútil, vago e vazio, mas sempre dito de um só fôlego para dar emoção! Repetem-se quilómetros de filme e horas de conversa tosca sobre incêndios de florestas e futebol. É o reino da preguiça e da estupidez.
Jornalistas em directo gaguejam palavreado sobre qualquer assunto: importante e humano é o directo, não editado, não pensado, não trabalhado, inculto, mal dito, mal soletrado, mal organizado, inútil, vago e vazio, mas sempre dito de um só fôlego para dar emoção! Repetem-se quilómetros de filme e horas de conversa tosca sobre incêndios de florestas e futebol. É o reino da preguiça e da estupidez.
É
absoluto o desprezo por tudo quanto é estrangeiro, a não ser que haja muitos
mortos e algum terrorismo pelo caminho. As questões políticas internacionais
quase não existem ou são despejadas no fim. Outras, incluindo científicas e
artísticas, são esquecidas. Quase não há comentadores isentos, ou especialistas
competentes, mas há partidários fixos e políticos no activo, autarcas,
deputados, o que for, incluindo políticos na reserva, políticos na espera e
candidatos a qualquer coisa! Cultura? Será o ministro da dita. Ciência? Vai ser
o secretário de Estado respectivo. Arte? Um director-geral chega.
Repetem-se
as cenas pungentes, com lágrima de mãe, choro de criança, esgares de pai e
tremores de voz de toda a gente. Não há respeito pela privacidade. Não há
decoro nem pudor. Tudo em nome da informação em directo. Tudo supostamente por
uma informação humanizada, quando o que se faz é puramente selvagem e predador.
Assassinatos de familiares, raptos de crianças e mulheres, infanticídios,
uxoricídios e outros homicídios ocupam horas de serviços.
A
falta de critério profissional, inteligente e culto é proverbial. Qualquer tema
importante, assunto de relevo ou notícia interessante pode ser interrompido por
um treinador que fala, um jogador que chega, um futebolista que rosna ou um
adepto que divaga.
Procuram-se
presidentes e ministros nos corredores dos palácios, à entrada de tascas, à
saída de reuniões e à porta de inaugurações. Dá-se a palavra passivamente a
tudo quanto parece ter poder, ministro de preferência, responsável partidário a
seguir. Os partidos fazem as notícias, quase as lêem e comentam-nas. Um pequeno
partido de menos de 10% comanda canais e serviços de notícias.
A
concepção do pluralismo é de uma total indigência: se uma notícia for comentada
por cinco ou seis representantes dos partidos, há pluralismo! O mesmo pode
repetir-se três ou quatro vezes no mesmo serviço de notícias! É o pluralismo
dos papagaios no seu melhor!
Uma
consolação: nisto, governos e partidos parecem-se uns com os outros. Como os
canais de televisão."
Vassoura precisa-se!
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