domingo, 28 de junho de 2015

Nenikamen



                                                               
Nenikamen, “vencemos” foram, diz a lenda, as últimas palavras de Philipedes ao morrer aos pés da Acrópole anunciando a victória dos gregos sobre os persas após uma corrida de 35km (Setembro, 490 a.C.).

As cidades gregas da Ásia Menor rejeitavam a tutela persa de Darius I “rei dos reis” e Atenas mobiliza-se para as auxiliar.
Os persas queimam Mileto e deportam os seus habitantes.
Os cidadãos atenienses em grande inferioridade numérica (10.000 contra 20.000 persas - o número de 100.000 é avançado por alguns historiadores) pela deserção das outras cidades-estado, derrotam, na planície de Maratona a 35 km de Atenas e graças ao génio militar de Miltíades, os persas que são obrigados a bater em retirada e a recolher aos seus navios.
Isto passa-se há 2.500 anos e, num jogo “faz-de-conta”, pode suscitar comparações.
E se hoje se substituísse “persas” (a potência da altura) por “troika” (ou U.E.), “Mileto” por “Grécia”, “deportação” por “ruína”? Mas a analogia fica, infelizmente, por aqui, porque não haverá a exclamação “nenikamen”.
A finança, os especuladores internacionais (percursores e agentes, dizem, de uma 3ª guerra mundial com perfil financeiro, tecnológico e informático) são hoje muito mais poderosos do que a arma nuclear do passado século XX ou as flechas ou lanças do século V a.C.
Assiste-se hoje a uma deserção, não de cidades-estado inimigas de Atenas, mas de nações europeias subservientes da finança, de interesses pouco claros, dos bancos alemães e franceses.
O ideal europeu da solidariedade rompeu-se para sempre e a mentira e a hipocrisia imperam. Exemplos? Perdoou-se a dívida alemã (não só a grega) e a violação do tratado orçamental por deficit excessivo não contou para a França (mas sim para os “países periféricos” fracos e irrelevantes economicamente).
Não se pode contestar a esmagadora dívida grega de mais de 300 mil milhões de euros, os perdões de dívida, a total ineficácia da máquina fiscal grega, o “laisser faire laisser passer” grego, o “viver à sombra de empréstimos” e etc. Mas não se pode esquecer a dualidade de critérios nem acenar o indiscutível, mas sim analisar-se e discutir-se o que aparentemente (a informação é muito escassa e contraditória) são “janelas de oportunidade” apresentadas pelo democraticamente eleito governo grego. Não é admissível contestar o que o povo grego aprovou como disposições constitucionais e eu como português não gostaria que estrangeiros o fizessem para cá.
Indiscutível? A especulação e a usura financeira internacional.  
Indiscutível? A austeridade cega, esmagadora e humilhante a que esteve sujeito o povo grego lançando centenas de milhares de cidadãos para o desemprego, cortando pensões para além do admissível, semeando a pobreza. 
Indiscutível? A inflexível prepotência de 18 iluminados coveiros do euro em “águas desconhecidas” e lançando um povo para a catástrofe.
Indiscutível? A vergonhosa posição de subserviência sentada (ou levantada “eu, sôtor, eu”) do “bom aluno” do governo de Portugal.
Indiscutível? Que Portugal será o seguinte mau grado os seus “cofres cheios” (“cheios” de quê? de dívida nas mãos de instituições financeiras).
Indiscutível? A mentira eleitoral de hoje para que o amanhã fique, como lá fora se quer que fique.
Vergonha.
Faz falta um Miltíades que enfrente as pérsias de hoje.

domingo, 14 de junho de 2015

Só à estalada



O Decreto-Lei nº 4/2015 relativo à revisão do Código de Procedimento Administrativo foi aprovado pelo Governo em Conselho de Ministros de 9 de Outubro de 2014, promulgado em 2 de Janeiro de 2015, referendado em 6 de Janeiro de 2015 e mandado publicar em Diário da República (1ª Série – nº 4, de 7 de Janeiro de 2015) pelo Presidente da República Aníbal Cavaco Silva. 
https://dre.pt/application/file/66047121 
Nos últimos parágrafos do ponto 7 do Preâmbulo do referido Decreto-Lei pode ler-se: 
“(…)Merece realce a previsão da possibilidade da celebração de acordos endoprocedimentais (artigo 57.º). Através destes, os sujeitos da relação jurídica procedimental podem convencionar termos do procedimento que caibam no âmbito da discricionariedade procedimental ou o próprio conteúdo da decisão a tomar a final, dentro dos limites em que esta possibilidade é legalmente admitida.No n.º 2 do artigo 57.º, além de se deixar absolutamente claro o caráter jurídico dos vínculos resultantes da contratação de acordos endoprocedimentais, configura -se uma possível projeção participativa procedimental da contradição de pretensões de particulares nas relações jurídico-administrativas multipolares ou poligonais. (…).”. 
Lindo.
Este texto psicadélica e exotericamente imbecil, extracto de um total com 6 (seis) páginas (50 a 55), faz parte do Preâmbulo do referido Decreto-Lei que tem nove artigos que ocupam 1 (uma) página (56), excluindo, como é evidente, o propriamente dito CPA - Anexo do artigo 2º - o qual tem 31 páginas.
Como se pode verificar no seu final, o decreto obteve as assinaturas dos seguintes membros do Governo presentes à mencionada reunião do Conselho de Ministros: Pedro Passos Coelho, Maria Luís C. M. D. de Albuquerque, Paula Maria Von Hafe Teixeira da Cruz, Pedro Alexandre V. A. Lomba, António M. Pires de Lima, Jorge Manuel l. Moreira da Silva.
Quem é que redigiu ou reviu o texto preambular? Quem? Muito provavelmente a Paulinha (ou, eventualmente e no que respeita à redacção, a luminária bem paga de um seu assessor) dado que os outros ilustres membros do Conselho nada têm a ver com o pelouro da Justiça.
Ó Paula Maria, francamente, então a Sr.ª Dr.ª advogada ministra dá aos seus colegas de governo aquela coisa para aprovar, assinar e promulgar?! É certo que é apenas licenciada na Universidadse Livre que o Ministério da Educação e Cultura deixou de reconhecer em 1986 pela degradação do ensino que na mesma se vinha administrando (Despacho 94/SEES/86 publicado no DR, 2ª de 26-9-86) e que evitou a Faculdade de Direito de Lisboa porque lhe faltavam, como parece evidente na sua prática profissional e governativa, unhas para a guitarra.
Ó Sr. Presidente Silva, então manda publicar esta coisa?!
Mas, claro, é necessário “épater le bourgeois”, dizer, escrever qualquer coisa que impressione o Zé “eleitor-contribuinte”, que o aproxime ainda mais do futebol e o afaste das "endoincompetências" da política de um Coelho, de um Paulinho, de uma Paulinha Maria, eteceteretal.
Depois dos “inconseguimentos” só faltavam os “endoprocedimentos... poligonais”.
Valha-nos Deus.

quinta-feira, 11 de junho de 2015

Carta a Garcia



Ano: 1898.

Local: Cuba.

Cenário: Guerra entre a Espanha e os EUA.

Calixto Garcia Iniguez foi um revolucionário cubano que se bateu pela independência do seu país, então colónia espanhola. De importante família criola, nasceu em 1839.
Na luta para a independência de Cuba, de que foi um dos principais e constantes  protagonistas,  destacou-se na “Guerra dos Dez Anos” (1868-1878), durante a qual, em 1874, tentou matar-se antes que fosse feito prisioneiro (do tiro na boca sobreviveu, graças aos cuidados dos médicos espanhóis, ficando desfeado pela bala que saíu pela testa e com sequelas para toda a vida),
na “pequena Guerra (1879-1880) e, finalmente, na “Guerra  da Independência (1895)” na qual foi o general das forças revoltosas cubanas.
Esta última guerra  conduziu à intervenção dos EUA a qual obrigou a retirada de Espanha em 1898 e à declaração da independência  de Cuba em 1902
http://en.wikipedia.org/wiki/Spanish%E2%80%93American_War
Faleceu em 1898 com 59 anos de um ataque fulminante de apoplexia quando se encontrava em missão diplomática em Washington. 
http://fr.wikipedia.org/wiki/Calixto_Garc%C3%ADa 
O presidente norteamericano da altura era William McKinley o qual necessitava de contactar o general chefe das forças rebeldes de paradeiro incerto na Sierra Maestra.
Escreveu-lhe uma carta na qual solicitava um conjunto de informações vitais para o sucesso da intervenção dos EUA e interrogou o seu gabinete quem seria o mensageiro ideal para que essa carta chegasse ao seu destino.
Responderam-lhe que o homem certo era o então tenente Andrew Summers Rowan, oficial graduado em West Point.


O percurso foi épico, a carta entregue em mão. 

“I had delivered my message to Garcia!” 
http://www.foundationsmag.com/rowan.html 
 

A história foi relatada pelo jornalista Elbert Hubbard em 1899. http://ocw.mit.edu/courses/electrical-engineering-and-computer-science/6-803-the-human-intelligence-enterprise-spring-2006/readings/hubbard1899.pdf9 
O assunto “Carta a Garcia” encontra-se espalhado por muitos “sites” da net pelo que não percebo, nos tempos de hoje, as interrogações que levanta. Basta “gloogar”.
Mas o que importa, para além da leitura do relato, é o significado da expressão “levar uma carta a Garcia”.
Compreendo que seja “um desafio extremamente difícil” mas julgo que, nos tempos de hoje e sobretudo, para reflexão da “geração das facilidades”, que a aventura e o seu desfecho constituem uma lição:
quando se ordena uma tarefa a alguém o pior é a natureza de interrogações que eventualmente dela decorrem: “Porquê’”, “Para quê?”, “Como?”, “Porquê eu?”, “Não é a minha especialidade”, “Já?!”... quando a única reacção deveria ser  “Tenho que e é já”.
Exactamente: o tenente Rowan disse “tenho que encontrar Garcia e entregar-lhe esta mensagem”. Pegou na carta e foi entregá-la. Desembarcou na ilha de Cuba, atravessou de costa a costa um território desconhecido e após uma viagem de três semanas saíu pelo outro lado da ilha depois de ter entregue a carta ao general  Garcia. Sem mais.


quarta-feira, 3 de junho de 2015

Conta e Tempo



Recebi esta semana de um dos meus correspondentes o soneto do século XVII que abaixo transcrevo.
Não era novidade para mim: o meu pai deu-me uma litografia com o texto quando passei no exame da 4ª classe. E, quando saí de casa dos meus pais, aquela gravura acompanhou-me. Continua hoje no meu escritório, encostada aos livros de uma das estantes altas da minha biblioteca. Uma preciosidade a que só o Inverno da vida dá valor. “l´insouciance de la jeunesse oublie”...Como autoria consta a de Frei Castelo Branco.


Deus pede estrita conta de meu tempo.  

E eu vou, do meu tempo, dar-lhe conta.

Mas, como dar, sem tempo, tanta conta,

Eu, que gastei, sem conta, tanto tempo?



Para dar minha conta feita a tempo,

O tempo me foi dado, e não fiz conta.

Não quis, sobrando tempo, fazer conta.

Hoje, quero fazer conta, e não há tempo.



Oh, vós, que tendes tempo sem ter conta,

Não gasteis vosso tempo em passatempo.

Cuidai, enquanto é tempo, em fazer conta!  



Pois, aqueles que, sem conta, gastam tempo,

Quando o tempo chegar, de prestar conta

Chorarão, como eu, o não ter tempo.


       Frei Castelo Branco ou António Fonseca Soares ? (século XVII )