quarta-feira, 29 de abril de 2015

O Cemitérraneo



A designação Mediterrâneo deriva do latim mediterraneus (no meio da terra). O Mediterrâneo era desinado pelos romanos como “Mare Nostrum”.
O Mediterrrâneo tem uma área de 2,5 milhões de km2 (cerca de 4 vezes a área da Península Ibérica) e comunica com o oceano Atlântico em Gibraltar por uma estreita faixa com 14 km de extensão. Dario da Pérsia (550 a.C.)  mandou construir um canal que o ligava ao Mar Vermelho 2400 anos antes da abertura do Canal de Suez (1869).
Foi desde tempos imemoriais uma importante rota de comércio, de colonização e de guerra.
Hoje transformou-se num cemitério por uma mortal rota de tráfego de seres humanos, actividade esta muito lucrativa e que anualmente movimenta  mais de 12.000 milhões de euros.




                                                              

(in http://www.publico.pt/mundo/o-mar-da-morte)

As nações com fronteira com o Mediterrãneo são, entre outras, Albânia, Argélia, Bósnia-Herzgovina, Crácia, Chipre, Egipto, Espanha, França, Grécia, Israel, Itália, Líbano, Líbia, Malta, Marrocos, Eslovénia, Síria, Turquia, Tunísia. No entanto, tem sido, até muito recentemente, só a Itália que suportou, através da operação “Mare Nostrum”, os custos de salvamento de mais de 150.000 migrantes, embora as mortes por afogamento se estimem em 3.000.
A Itália mobilizou para o efeito 900 militares, 32 navios, 2 submarinos, aviões e helicópteros com um custo total de mais de 9 milhões de euros. Devido a esta  enorme despesa, a Itália apelou a uma contribuição da União Europeia a qual a recusou alegando que a operação era um convite à emigração ilegal.
Esta recusa levou a Itália a pôr fim à operação “Mare Nostrum” em Outubro de 2014.
Face a um cenário catastrófico, a União Europeia deliberou constituir com oito países europeus e com a colaboração da agência europeia para o controlo de fronteiras “Frontex” uma operação alternativa denominada “Triton”.
Vinte países europeus disponibilizaram meios humanos e materiais cujo custo é de um terço dos custos da “Mare Nostrum” e cuja acção é limitada às fronteiras do espaço Schengen, não incluindo, portanto, o litoral norteafricano, nomeadamente a costa líbia. Esta operação foi de imediato objecto de severas  críticas, nomeadamente por parte da Amnistia Internacional e da Igreja Católica, por transformar uma operação de salvamento de pessoas numa mera operação de protecção de fronteiras.
De 2011 a 2015 morreram no Mediterrâneo mais  de 3.200 migrantes, cerca de 65% do total de migrantes no mundo, desde o sudeste asiático ao continente americano. Prevê-se que este número atinja em 2015 a cifra de 10.000 (consultar o publicado no Público de 26 de Abril de 2015:  http://www.publico.pt/mundo/o-mar-da-morte ).
O que fazer? Certamente não criar um novo “muro da vergonha”, desta vez no mar, ignorando o desespero de seres humanos que fojem das  guerras, da fome, da violência, dos selvagens conflitos na Síria, na Somália, no Iemen, no Niger, no Mali, alguns dos quais resultado das irresponsáveis, cegas e erradas políticas conjunturais do Ocidente. Alguém se esqueceu do apoio e incentivo dados às “primaveras árabes”?  Da mentira e interesses que moveram o Conselho de Segurança a apoiar a invasão do Iraque? Acho que há uma relação e que nela está a origem da destruição da Síria, o continuado massacre no Iraque, a instabilidade mortífera no centro de África, a guerra no Iemen, o aparecimento de organizações militares terroristas como o “Exercito Islâmico” e o “Boko Haram” cuja estrutura e raios de acção ultrapassam em muito as de um movimento terrorista. 
A solução não é fácil nem evidente mas os políticos existem para encontrá-la. O problema é, de facto muito complexo por envolver muitos e diversos factores políticos, religiosos, culturais, económicos. O exponencial aumento da demografia africana não ajuda e as guerras naquelas regiões não têm fim à vista. 
No passado, ondas de bárbaros, vindos do Mar Negro empurrados e expulsos por ondas de outros bárbaros da Ásia, invadiram e ocuparam a Europa. Os ocupantes daquelas terras, as tribos autoctones, os romanos e os gregos foram por elas engolidos.


Hoje o problema sendo muito diferente tem, no entanto, uma semelhança, a da força das ondas migratórias.
O que fazer, então?
Um rateio pelos países europeus dos migrantes como foi proposto por um alto funcionário da Comissão Europeia? Uma imbecilidade. O reforço das fronteiras transformando a Europa numa fortaleza? Uma vergonha que, para além disso e pela sua fragilidade, nada resolverá com o mais do que certo aumento brutal do afluxo de migrantes para as centenas de milhares.
A União Europeia tem que rever a sua política de imigração e analisar profundamente todos os factores que estão na origem destas migrações: as guerras, a pobreza, as injustiças, o justo anseio por melhores condições de vida. Talvez assim. Talvez, mas, infelizmente, sempre no longo prazo.

terça-feira, 21 de abril de 2015

5 túmulos com mistério.



A sepultura do homem muda com os tempos. Hoje, na Europa, qualquer cidadão tem a sua morte registada e a sua sepultura localizada. Antigamente, os registos de um cidadão comum eram pouco ou nada detalhados (ou não existiam mesmo) e a sua sepultura não tinha as características das de um aristocrata do tempo  com campa devidamente identificada.
O cidadão comum era enterrado, segundo os costumes da época, numa vala comum num terreno junto à sua igreja  e, tempos mais tarde, num cemitério construído para o efeito mas sem campa individual.  A distinção social mesmo depois da morte perdurava.
Mas, para além deste facto, houve e há outros que podem impedir a localização de restos mortais. Desastres naturais destroem as construções  e as sepulturas que eventualmente contêm. Guerras e revoluções também.  Foi , por exemplo, o caso da revolução francesa durante a qual a fúria revolucionária violou e despejou os túmulos dos reis de França que se encontravam na catedral de S. Denis. Os túmulos continuam lá mas o que contêm não são, segundo me garantiram, as ossadas dos seus titulares.
Em Portugal a estas causas associa-se, pontualmente é certo, o mistério ou o mito. É o caso, respectivamente dos reis D. Sancho II de Portugal e D. Sebastião. Em Inglaterra, só em 2012 foram descobertas e identificadas as ossadas do rei Ricardo III. 
Nesta época de impulso para a transladação de figuras mais ou menos relevantes na nossa vida contemporânea,  achei  interessante abordar  quatro exemplos de túmulos  de figuras notórias (como é o caso daqueles reis) ou geniais como as de  Camões e de Mozart.
Rei D. Sancho II de Portugal (1209-1248). 
- Na Crónica de Frei António Brandão pode ler-se:  “El-rei, vendo a resolução do Infante e que lhe era forçado, ou ficar em Portugal abatido, ou viver em Castela necessitado, escolheu este segundo (...)” (Cap. XXIX), “Escolho a minha sepultura no mosteiro de Alcobaça (...). Foi feito em Toledo nas casas do Arcebispo de Toledo no terceiro dia de Janeiro da era de 1286 (...)“ (Testamento, Cap. XXXIX).
Alexandre Herculano afirma na sua História de Portugal que: 
«Partindo Sancho II para Castela, deixara por alcaide de Coimbra um certo Martim de Freitas. Pôs o conde de Bolonha [futuro D. Afonso III] estreito assédio ao castelo. Nem as promessas nem os combates, puderam reduzir os cercados ... até que chegou a nova da morte de Sancho, em Toledo. Então o leal alcaide ... dirigindo-se à antiga capital da Espanha, fez abrir o túmulo do rei para com os seus próprios olhos saber se, na verdade, morrera.» 
Vide “O portal da História” (http://www.arqnet.pt/portal/imagemsemanal/julho03.html). 
Em 1947 o Dr. Oliveira Salazar enviou a Toledo uma comissão para averiguar onde estavam os restos mortais do Rei D. Sancho II que se supunha estarem na “Capela dos Reis Velhos” da Catedral de Toledo. Não se encontraram os restos mortais do Rei de Portugal. (http://es.wikipedia.org/wiki/Capilla_de_los_Reyes_Viejos).(http://pt.wikipedia.org/wiki/Sancho_II_de_Portugal) 
D. Sancho II não está sepultado nem no Mosteiro de  Alcobaça nem na Catedral de Toledo. Onde estará? Não se sabe.
Rei Ricardo III de Inglaterra (1452-1485).
- Rei católico derrotado e morto  na batalha de Bosworth Field com Henrique Tudor, o seu corpo foi transportado e enterrado em Leicester. Durante a Reforma, o seu túmulo foi destruído e os seus restos mortais estiveram perdidos durante mais de cinco séculos. Em 2012, escavações arqueológicas efectuadas no local descobriram ossadas que a Universidade de Leicester identificou, para além de qualquer dúvida, como sendo as de Ricardo III. A identificação foi efectuada com base em testes de radiocarbono e em análises de ADN comparativas com dois dos seus descendentes. Em Março deste ano os seus restos mortais foram transladados para a Catedral de Leicester. (http://en.wikipedia.org/wiki/Richard_III_of_England)

 
Luís Vaz de Camões (1524?-1580)
- Camões morreu de peste tendo sido sepultado numa vala comum da Igreja do Convento  de Santana em Lisboa.
O convento, no Campo de Santana, ficou parcialmente destruído pelo terramoto de 1755, foi posteriormente objecto de obras de reconstrução e finalmente demolido em 1892. No seu lugar ergue-se hoje em dia o Instituto Bacteriológico Câmara Pestana.
Em 1880, ano do tricentenário da sua morte, procedeu-se a uma transladação de restos mortais para o Mosteiro dos Jerónimos. No relatório da comissão constituída para proceder aos trabalhos pode ler-se: 
“A uma certa altura (viram-se) ossos em forma que se lhe não tinha mexido. Alguns destes eram pois sem dúvida os de Luiz de Camões, mas quais se nem era possível distinguir a sepultura? (...)”. 
Nestas condições é impossível qualquer certeza sobre a pertença das ossadas que se encontram no túmulo do Mosteiro dos Jerónimos (in “Equívocos, Enganos e Falsificações da História de Portugal” de Sérgio Luís de Carvalho).

Rei D. Sebastião de Portugal (1554-1578).
- Consta em acta e em cartas do embaixador de Filipe II e do cardeal-rei D. Henrique que o corpo do rei foi entregue em Ceuta a 10 de Dezembro de 1578 e deposto na capela de S. Tiago da igreja do Mosteiro da Santíssima Trindade e, posteriormente, na capela-mor da Sé de Ceuta. 
“Quatro anos depois, em Agosto de 1582, procedeu-se à exumação do corpo para a sua transladação para Portugal. É primeiro levado a Faro e daí conduzido com muita pompa até Lisboa. No caminho passou por Tavira, Beja e chegou a Évora a 9 de Dezembro. O cortejo seguiu depois para Lisboa onde era esperado por Filipe II e definitivamente depositado na capela lateral do Mosteiro dos Jerónimos onde jaz num túmulo de mármore que repousa sobre dois elefantes.” (“D. Sebastião de Portugal” de António Villacorta Banos-Garcia). 
Mau grado estes factos confirmados por testemunhos escritos e passados mais de quatrocentos anos perdura a crença que o corpo do rei não foi encontrado e que no túmulo dos Jerónimos o que lá está não é o do rei.
A tecnologia actual permitiria esclarecer o assunto por análises de ADN do corpo do rei e dos seus antepassados, nomeadamente  D. Manuel , D. João III e o Cardeal-Rei D. Henrique que se encontram sepultados junto dele. 

Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791).
- Nasceu em Salzburg, então capital do Arcebispado de Salzburg parte do Sagrado Império Romano e hoje cidade da Austria. Viena foi a cidade onde fixou residência mas grandes dificuldades financeiras obrigaram-no a viajar para cidades alemãs em particular Leipzig, Dresden, Frankfurt, Berlim.
A 6 de Setembro de 1791 adoeceu gravemente em Praga onde faleceu a 5 de Dezembro. Tinha 35 anos.
Foi enterrado no cemitério de S. Marx, nos arredores de Viena, em vala comum de acordo com os costumes da época. Estas sepulturas eram objecto de escavação ao fim de dez anos. Deste modo, até hoje não se sabe o local exacto onde o seu corpo foi enterrado. No entanto, o seu túmulo existe mas com restos mortais que não são, certamente, os de Mozart.  
(tumulosfamosos.blogspot.pt)
                                               
 

quarta-feira, 15 de abril de 2015

A Besta



“E foi-lhe permitido fazer guerra aos santos e vencê-los; e deu-se-lhe poder sobre toda a tribo, e língua, e nação” (Apocalipse 13.7).
Mosul, Nimrud e Hatra foram os locais do Iraque, com valiosíssimo património histórico, escolhidos pelo Exército Islâmico (“EI”) para outro tipo de decapitações filmadas.
Aquela cambada de bestas sanguinárias destruíu, nos passados meses de Fevereiro e Março, à bomba  e à marretada um espólio cultural e arqueológico de valor histórico incalculável.
O Iraque deixou de ter interesse económico para as potências ocidentais as quais, por isso, não mobilizaram em devido tempo meios militares que impedissem o crescimento e a dispersão deste novo terrorismo. Hoje em dia, o “Exercito Islâmico” controla um enorme território descontínuo, desde a Síria à Líbia, com vassalos no centro de África -  como é o caso do Boko Haram que se movimenta na Nigéria, no Tchad, no Niger, nos Camarões, matando e raptando civis, queimando aldeias inteiras – e com “células” já instaladas em alguns países ocidentais. Em Espanha, por exemplo.
Hoje o “EI” ultrapassou a pura acção militar e governa os territórios que controla, com o apoio de grande parte da população. Uma acção militar nestas circunstâncias levanta problemas que ultrapassam a luta antiterrorista e a mera  antiguerrilha. A passividade das Nações Unidas é escandalosa. Tudo isto não mereceu uma única palavra do Governo, do Parlamento, da Presidência de Portugal, todos embrenhados em importantíssimas questões domésticas. Por outro lado, os G7 reunidos esta semana  na Alemanha pronunciaram-se sobre a questão o que é de assinalar e de aplaudir mas quais as suas consequências práticas?


Mosul: a 400 km a norte de Bagdad, localiza-se na margem direita do rio Tigre oposta à antiga cidade de Nineve. O profeta Jonas tem lá o seu túmulo. Em 2008 a sua população era estimada em 1.800.000 almas. Ocupada pelo “EI” em 2014 só os arábes sunitas lá permaneceram, 500.000 habitantes fugiram. Em Fevereiro de 2015 as bestas sanguinárias destruiram à marretada as estátuas do museu da cidade e o sítio arqueológico de Nergal. 
A selvajaria foi justificada em termos religiosos. Perdeu-se, assim, uma herança cultural da Assíria. No entanto, os curadores do museu de Mosul vieram afirmar que o destruído não passava de cópias de gesso e que os originais se mantêm  preservados e a salvo (?). Seja como for, a UNESCO pediu uma reunião de emergência do Conselho de Segurança da ONU para análise da situação e definição das medidas a tomar. Para quê? Para sossego das consciências. Estamos em Abril e nada. 


Nimrud: a 30 km a sul de Mosul, data do 13º século a.C. e era a maior cidade da Assíria entre 210 e 610 a.C. O seu nome vem de Nimrod  bisneto de Noé. Aqui  as armas da destruição utilizadas em Março de 2015 foram mais potentes: explosivos e “buldozers”. Diz uma das bestas sanguinárias: “Destruímos os símbolos do politeísmo (...) destruiremos as campas e os templos dos Xiitas, esmagaremos as cruzes cristãs e e demoliremos a Casa Negra (Casa Branca), morada dos infiéis. 
Hatra: a 290 km a noroeste de Bagdade foi construída pelo império Seleucida no 3º século a.C. e foi capital do 1º reino árabe que se estendia até Petra passando por Palmira. Famosa pelo seu grande templo com 30 m de altura, era uma importante fronteira  fortificada que resistiu aos ataques de Roma (Trajano, Septimo Severo) e que derrotou os persas mas,  em 241, a.C. caíu finalmente sob o seu domínio e foi destruída. Tinha uma dupla muralha com 2 km de diâmetro e com 160 torres. No passado mês de Março de 2015 as bestas sanguinárias destruiram as suas ruínas. 
“Quem é semelhante à besta? Quem poderá batalhar contra ela?”.
 (Apocalipse 13.4)