terça-feira, 30 de julho de 2013

"Colabore com a polícia"

                                                          O Jacarandá
“ Na verdade, que vida seria mais triste e aborrecida do que a sua, se possuíssem um grão de bom senso...” F. Pessoa   
                                   
Foram tempos gloriosos aqueles anos oitenta. Entre outras modas e “ slogans ” havia um que
eu considerava delicioso. Era o “colabore com a Polícia“ , largamente publicitado nos meios
de comunicação social e coisa em que cuja eficácea ou razão de ser eu não acreditava. Regressado há meia  dúzia de anos de África, ainda sentia o peso dos galões nos ombros e
a atmosfera revolucionária, embora já em fase de surdina, assentava que nem uma luva ao
meu espírito provocador. Tudo era pretexto para eu telefonar e pedir uma ligação ao oficial de
dia na PSP. Barulho de noite, zaragatas, o trânsito, incompetências diversas. Ele já me
conhecia e uma inexplicável cumplicidade e cordialidade marcava as nossas relações de
antigos combatentes, que eu tinha sublinhado com sucesso desde o nosso primeiro contacto.
Isso e, suprema hipocrisia, a minha inabalável vontade de, como exemplar cidadão,
responder ao lancinante apelo diariamente lançado nos meios de comunicação de colaborar
com as forças da ordem. 
”Então senhor engenheiro, como está...em que lhe posso ser útil?”. “Olhe, meu caro amigo,
nada de especial só que eu hoje presenciei isto e aquilo o que, como deve calcular, é
insustentável e eu quero colaborar com a polícia”...”Esteja descansado que eu providencio”.
Providenciava e só a Providência podia providenciar uma escala de oficiais-de-dia
perfeitamente ajustada aos meus erráticos contactos com a polícia. É um mistério que ainda
hoje pode manchar a veracidade deste relato. 
Todas as minhas reclamações eram menores e só eram explicáveis por um espírito retorcido
como o meu. Claro que houve a excepção do ordinário que, ao lado da sua ridícula motoreta
nívea, num engarrafamento directamente causado pela sua incúria e incompetência, teve o
descaramento de me mandar seguir com “ essa m... de carro “. Não pude resistir e o meu
camarada concordou comigo que um espectacular carro-novo-em- folha-azul-pavão
metalizado, era lindíssimo e nada que pudesse ser confundido com uma m.... “O senhor
engenheiro não tirou o nome do agente?...então vai ser dificil...”.
Um belíssimo dia de Primavera fui almoçar com um colega. Íamos sempre ao mesmo local
passeando por ruas que têm nomes poéticos... Florbela, Rosália...ruas povoadas de
jacarandás verdes e azul-lilás. No começo de uma delas havia um com uma ramada comprida
e demasiado baixa que nos obrigava, ao passar, a encolher e desviar as cabeças. Nós já
sabíamos, mas que aquilo era perigoso para um distraido, era.  
“Vais ver que um dia há  um gajo que bate aqui com os cornos“. E aconteceu. 
Passámos, desviámos as cabeças e após meia dúzia de passos ouvimos o barulho de choque-e-queda, seguido de um tilintar de vidros e de ais. Ele estava estatelado no passeio...
balbuciando “onde-estou-ai-quèquemaconteceu-ondeéquestou-ai...”, com os óculos partidos
ao lado e com um respeitável lenho na cabeça. Precipitámo-nos e ouvimos lá de cima, vinda
de um segundo andar, uma vózinha desafinada dizendo “eu bem dizia este mês já é o
segundo...”. 
Ajudámo-lo a levantar, apanhámos o que restava dos óculos, sacudimos o pó do seu casaco
e achámos que a situação era merecedora de uma participação ás autoridades. Nem de
propósito, aproximavam-se dois guardas lado a lado.  
“Senhor guarda agradecia que tomasse nota desta ocorrência...”. “Qual ocorrência ?”...”Qual ocorrência essa é boa”, e apontava para a vítima...”Esta ramada é perigosíssima e alguém
tem que tomar medidas”... “Não temos nada a ver com isso, é assunto da polícia municipal...” e seguiram em frente, sem mais. 
Eu de raiva nem almocei e mal cheguei ao escritório liguei para o meu camarada de armas.
“Boa tarde senhor engenheiro, como está?”...”Mal, nem almocei” e contei-lhe o acontecimento
e o inaceitável comportamento dos guardas. “O senhor engenheiro por acaso não tomou nota
dos nomes”...”Tomei, tomei”, respondi triunfante...”são fulano e sicrano da esquadra do
Campo Grande”. Seguiu-se um desconsolado silêncio. “Desta vez vai-lhe ser fácil corrigir a
situação”, lembrei eu maldosamente...”Sim,sim, sim...esteja descansado, vou imediatamente
tomar as medidas necessárias”. “Muito obrigado e a continuação de um bom dia para o meu
amigo.” 
Passados poucos dias voltámos a passar pela rua. Do jacarandá nem sinal, tinha sido arrancado, serrado. Não foi só a pernada, foi todo. Para grandes males grandes remédios devem ter pensado. Senti-me culpado daquele assassinato e a vergonha impediu-me, desde esse dia, de continuar a telefonar para o meu camarada e desconhecido amigo oficial - de - dia na PSP.

domingo, 21 de julho de 2013

Conselhos


“Vou dar-te um conselho: nunca dês conselhos”

 


Concordo, mas aqui vão alguns que são impessoais:

Não prometa quando estiver feliz.
Não responda quando estiver irritado.
Não decida quando estiver triste.
Não desespere antes.
Não comemore antes.
Não desista antes do final.


E outro ainda:   
                                                                
Na incerteza pense bem antes de agir.


                                          

quarta-feira, 10 de julho de 2013

A "brigada do reumático" e a crise governamental



Em 14 de Março de 1974  o representante dos oficiais generais dos três ramos das forças armadas afirmava em discurso a Marcelo Caetano, que “a lealdade e a disciplina são atributos fundamentais que o militar não poderá deixar de manifestar nas suas relações hierárquicas. São princípios universais de ética militar que, vale repeti-lo, sempre deverão ter presentes(...) é também oportuno dizer a V. Ex.ª que estamos unidos, firmes e cumpriremos o  nosso dever sempre e onde quer que lho exija o interesse nacional. (...)”. 
A oposição democrática (vulgo "reviralho") carimbou aquelas altas patentes militares como “brigada do reumático”. Tratava-se, no entanto, de uma clara manifestação de subordinação dos militares ao poder político (axioma fundamental do nosso regime democrático). 
Há militares porque há guerras. Quando elas são grandes são necessários muitos, quando
não as há ou elas são pequenas são necessários poucos, incluindo generais cujo número em 
Portugal é injustificável, passados quase 40 anos do fim das guerras em África, e superior ao de outros países europeus.                        

No princípio do corrente ano (a 22 de Fevereiro  “(...) dez antigos chefes de Estado-Maior dos três ramos das Forças Armadas participaram no jantar que juntou (...) mais de 200 oficiais na reserva e na reforma em Lisboa. Catalizadores desta iniciativa são o grande descontentamento e a resistência contra medidas de reforma (...) sob pressão da crise financeira. (...) Foram 10 os CEM presentes no jantar, que também juntou dezenas de oficiais no Porto. (...) O presidente da Associação 25 de Abril, realçou ao DN a importância de os CEM em funções falarem com as associações de militares, na medida em que estas permitem ter "um ambiente mais controlado e menos anárquico (...)". (por Manuel Carlos Freire, 22 fevereiro 2013, DN Política).
De acordo com a agência Lusa (25 de Fevereiro) o Conselho de Chefes de Estado-Maior garante em comunicado que os chefes militares comprometem-se a assegurar a “serenidade, a coesão, a disciplina no sector”. Por outro lado, a Associação de Oficiais das Forças Armadas advertiu que, no que de si depender, os militares não serão um instrumento de repressão sobre os seus concidadãos. 
Manifestação de interesses corporativos? De preocupação pelo bem-estar público e pela segurança do povo? De subordinação ao poder político? Que cada um responda e tire  conclusões. 
Por mim, fiquei esclarecido quanto à disciplina e, também, descansado por não correr o risco de sofrer repressão militar. 
Poderá perguntar-se: como é que deveriam ter actuado? Bem, julgo que (aqui, sim) com sentido de  estado, dando  exemplo de respeito pela hierarquia, agindo em conformidade com o princípio da subordinação ao poder político e não pondo em causa a autoridade de quem dependem directamente, nomeadamente os Chefes de Estado Maior (seus camaradas) e o Minitro da Defesa.
                     

E, já agora, como apelidar aquele conjunto de altas patentes militares? “Brigada” seria um exagero de um ponto de vista estritamente militar mas história é história e o termo foi por ela consagrado. “Brigada”, portanto. Mas brigada de quê? “do controlo”? “do ambiente militar”? “da insubordinação”? “da ameaça”? “da arrogância”? “da serenidade”? 
Não sei. O progresso da medecina nos últimos 40 anos foi fulgurante e a ele se devem consideráveis melhoramentos na prevenção e  tratamento do grupo de doenças que afectam as articulações, os músculos e o esqueleto.

”Brigada do reumático bis” definitivamente não. 
Só publico hoje estes meus apontamentos, cuja oportunidade se perdeu, porque só hoje se proclama que o país está às avessas  com a “balbúrdia” que foi a “escandalosa”, irresponsável”, “caricata”,  “eteceteretal” crise governamental. Concordo, foi o resultado da má qualidade política dos actuais governantes.
As manifestações de funcionários públicos e de professores, as greves gerais e sectoriais que varreram recentemente o país são, elas sim, legítimas e não ofensivas de qualquer hierarquia e são, também e quer se queira ou não, um direito constitucional, embora criticadas por certos sectores. 
Aquela manifestação de chefias militares demonstrou que a impunidade não é regalia de poderosos e de políticos. É deles também e para eles não houve crítica ou qualquer sanção, ouviram-se mesmo aplausos claramente partidários e sem qualquer “sentido de estado”. 
O País está às avessas pelo menos desde 22 de Fevereiro de 2013.

quarta-feira, 3 de julho de 2013

Durão Barroso e Estaline



Como docente convidado do Instituto Superior Técnico, durante mais de dez anos, tive milhares de alunos, sem exagero. Tenho saudades daqueles tempos em que a esses alunos dedicava toda a minha atenção, toda a minha exigência, todo o meu rigor e, também, amizade.
Eram 35h semanais? 40h? Não. Foram certamente menos porque acumulava aquela função com a de engenheiro numa empresa privada. Mas, foi assunto que nunca me preocupou, Eram as que deveriam ser para uma correcta e, se possivel, sem falhas na transmissão do conhecimento e de uma experiência real. Digo real porque as restantes horas semanais (num conjunto superior a esse número imbecil de 40 - objecto de disputa e de negociação entre o governo e as estruturas sindicais -) eram utilizadas no projecto de estruturas reais (não teóricas).
                                    

Segui sempre o conselho que um dos meus mestres me deu depois da minha licenciatura: 
“Agora você tem licença para continuar a estudar sózinho. Continue a estudar”. Foi o que fiz durante toda a minha muito feliz vida profissional, contrariando o dito popular “quem sabe faz, quem não sabe ensina”. 
Ensinava os meus alunos a aprender e sabia e os meus alunos sabiam que eu sabia. 
Muitas histórias poderia contar sobre essa relação com os meus alunos que tão gratas recordações me deixou, mas vou apenas transmitir uma constatação que esse relacionamento revelou: entre os bons alunos houve uns de 17/18 e outros de 13/15. 
Os alunos médios/bons tornaram-se, em significativa percentagem, muito bons profissionais do
projecto ou da construção, mas os muito bons alunos raramente se revelaram “engenheiros
com mão certa e conhecedora”. Tiraram mestrados e doutoramentos e dedicaram-se à investigação ou ao ensino. 
O que hoje em dia me choca é ver alguns sem experiência digna desse nome ensinarem.
Como é possível? Será que basta ser um crânio, escrever centenas de artigos, achar que
nada pode aprender com um pedreiro ou um carpinteiro, ignorar, por o achar objecto indigno, um balde de cimento, nunca ter visto uma talocha ou uma colher de pedreiro, nunca ter tocado numa tábua de cofragem, nunca ter ido a uma obra, ser um doutor na teoria das estruturas mas um pequeno aprendiz na experiência? Acho que não.
                    

O mesmo acontece na política: os governantes de amanhã (de hoje) começaram, em geral, nas juventudes partidárias (do PCP ao CDS) onde, primeiro, aprenderam os truques e golpes partidários e a oratória parlamentar e, depois, quando eram jeitosos para a coisa,
dedicaram-se a conhecer a máquina do seu partido e, sobretudo, a como dominá-la. 
Foi o caso de Guterres - excelente aluno do IST que pouco ou nunca praticou engenharia -, de Sócrates - criatura com bacharelato, licenciatura no limite da fraude e, hoje, “estudante” de uma das mais prestigiadas escolas superiores francesas, as denominadas “Grandes Écoles”– (como foi isso posível, meu Deus!), de Coelho, de Seguro. Óptimos ou medíocres na teoria do que conseguiram estudar, mas péssimos na prática política por falta de experiência.  
Hoje, os nossos governantes não passam, na sua maioria, de miúdos, de imaturos, ou de iluminados doutores a que Portugal, para sua desgraça, está entregue.
Por vezes, há uns que sobem muito alto na roda mundial. Guterres é um exemplo pela positiva e Barroso pela negativa. Uns, como o primeiro, mantiveram as suas escolhas políticas de estudantes, outros (e o seu número na política não é irrelevante) mudaram 180º (sempre para a direita...), como o último.  
Durão Barroso foi presidente do PSD, primeiro-ministro e é actualmente presidente da Comissão Europeia sendo, também, um putativo candidato presidencial.  
Olhem p´ra ele antes e depois:                                

Nos tempos do PREC era do MRPP (de onde foi expulso). 
Leia-se um texto, alegadamente da sua autoria, que aqui transcrevo com as reservas que daquele facto decorrem: 
"As obras teóricas do grande Estaline são contribuições valiosas. Por elas estudaram e
estudam o marxismo-leninismo milhões de operários em todo o Mundo. Com elas o Partido
Comunista da China e o Partido do Trabalho da Albânia educaram os seus quadros, com
elas formaram milhares de bolcheviques na União Soviética. (...). O camarada Estaline está
demasiado vivo nos corações de todos os explorados e oprimidos do mundo inteiro para
que oportunista algum o possa fazer esquecer. A vida, a obra, a atividade do grande
Estaline pertencem aos Comunistas de todo o mundo e não apenas aos soviéticos,
pertencem à classe operária e não apenas ao povo da URSS.  
Na pátria do Socialismo, a União Soviética, o Socialismo vencerá, uma nova revolução
surgirá tarde ou cedo. Os autênticos comunistas soviéticos já se organizaram e, juntamente
com a classe operária e o povo da URSS, erguerão bem alto a bandeira vermelha de
Estaline, instaurando de novo o poder proletário.Força alguma o poderá evitar. QUE VIVA ESTALINE!"     
  
Espantoso!
Não me digam que não é uma lindeza (o texto, não o cartaz).