“Nothing in the world is more
dangerous than sincere ignorance...”
Martin Luther King Jr
Sou
um engenheiro muito interessado por História, nomeadamente a de Portugal, o meu
país.
Também gosto, mas menos, de “estórias”. Por formação e feitio, entendo
que o verdadeiro
conhecimento só é acessivel ao espírito aberto. Quem quizer conhecer e tiver preconceito, nunca conhecerá a verdade. Esta regra, que
considero de ouro a par de outra, a de utilizar a palavra correcta para a
transmissão da ideia, tem-me felizmente acompanhado nesta minha vida que agora
chegou ao seu Outono. Assim, quase que posso assegurar que sei o que digo, mas
cada vez tenho mais dúvidas sobre o que digo, embora no caso em apreço não
tenha nenhumas.
Ora
bem, as épocas natalícias trazem, não só para as crianças mas também para os
adultos,
algumas surpresas. Por exemplo para mim, a de receber como
prenda o livro “Máscaras de
Salazar” (13ª edição).
Quem
mo deu, sabe do meu interesse pela história de Portugal e, nela, pelas suas
grandezas
e misérias, sobretudo pelas suas contestadas figuras.
Cito, apenas como exemplos, Afonso Henriques
(a quem devemos a nossa nacionalidade,
que mal conheceu os pais, que batalhou e
mandou prender a mãe), Afonso III (ambicioso
oportunista mas que garantiu a
independência do reino em plena guerra civil, mesmo contra o
irmão - o qual,
não entendo porquê, continua ainda em Espanha perdido algures na catedral
de
Toledo -), Pedro I (ruivo gago, dançante com o povo, crudelíssimo, vingativo
capador e
canibal arranque de corações), João I (hipócrita, mentiroso e
desleal), João II (entre os
maiores reis se não o maior, assassino de primos e
cunhados), Pedro II (que ao irmão roubou
a mulher e o reino), João IV (timorato mas implacável na degola da alta nobreza
conspiradora), Pombal (a quem se deve um enorme progresso em muitos domínios, a
reconstrução da capital, tudo acompanhado de acções de uma crueldade inaudita que
escandalizaram a Europa de então), Salazar (sim, ele também).
a mulher e o reino), João IV (timorato mas implacável na degola da alta nobreza
conspiradora), Pombal (a quem se deve um enorme progresso em muitos domínios, a
reconstrução da capital, tudo acompanhado de acções de uma crueldade inaudita que
escandalizaram a Europa de então), Salazar (sim, ele também).
De
facto, os grandes a quem Portugal deve a sua sobrevivência, agiram, na sua
maioria, de
acordo com os padrões das sua épocas. Assim foi e o observador
atento deve entender que
os costumes das épocas marcam o comportamento dos
homens que nela viveram. Por
exemplo, analisar o regime de Salazar à luz dos
comportamentos e hábitos de hoje é, no
mínimo, ignorância, facciosismo para não
dizer pura imbecilidade.
Esclareço, para que dúvidas não fiquem, que
admiro os que exercem o seu poder com rigor,
honestidade e desinteresse
pessoal. É o que hoje em dia faz falta. Os resultados estão à
vista, hoje,
passados 900 anos desde que somos nação.
Voltando
ao livro.
A novidade (estamos em 2007) interessou-me de imediato, não só pelo tema mas também pela afirmada
precocidade do autor. Logo no início, num género de prefácio, lê-se: “Iniciado
há 42 anos, é a recriação de uma crónica pessoal...”. Ora bem e que me
desculpem esta minha mania pela correcção e precisão das ideias, sendo a 1ª
edição de 1997, a “obra” “iniciou-se” em 1955 . Como o autor (F. Dacosta)
nasceu em 1945, redigiu a sua crónica pessoal com 10 anos. Se sim, os meus sinceros parabéns, Mozart começou mais cedo, aos 6 anos, com a composição de
obras maravilhosas mas ele era ele e nem todos podem ser como ele, não é?
Chegado à página 166 (13ªedição), li, para meu espanto na 1ª linha do 3º parágrafo:
“ O betão armado uma das suas descobertas... (início de citação) consiste...na
Guiné...meterem canos de armas...Daí o nome de armado” (fim de citação). A
citação é, segundo o escritor, a de o
maior engenheiro civil português do século XX, o Sr. Prof. Dr. Eng. Edgar
Cardoso. Foi meu professor no Instituto Superior Técnico. O meu mestre
nunca diria a imbecilidade que é
citada como sendo dele. Nunca. O material “betão armado pré-esforçado” é
para o engenheiro o que o cão é para o homem: o seu melhor amigo. Não posso, por isso, ficar
silencioso. Não posso tolerar inverdades sobre
os meus amigos, sobretudo em assunto que leccionei como docente convidado do Instituto Superior Técnico de Lisboa durante mais
de 10 anos, mais precisamente na disciplina
de estruturas de betão armado, imagine-se. O material “betão armado” foi
inventado em 1870 (tinha o Prof. Edgar Cardoso “menos 43anos”) por Joseph
Monier. O material constituído pela associação do “betão” (do latim bitumen) com o aço foi estudado para uma sua aplicação a
estruturas por François Hennebique em 1886 com a
designação “béton armé”. “Armé” sem canos de armas, garantem Monier, Hennebique, eu e os milhares de alunos
que ensinei na Universidade de Lisboa.
Também se pode ler, como demonstração de displicência (nada aceitavel para
quem tem a pretensão de escrever história), no último parágrafo dessa mesma
fatídica página, “Quando Salazar autorizou a
ponte sobre o Tejo pediu um estudo no qual participei [Edgar Cardoso] com o Duarte Pacheco...” (fim de citação).
Poderia
contar ao autor do livro a história das pontes
sobre o Tejo, desde 1876 (ano em que o engenheiro Miguel Pais sugeriu a
construção de uma ponte entre o
Grilo e o Montijo) até 2006 (ano em que recentemente se inaugurou a travessia do rio Tejo no Carregado). Isto sem
omitir, claro, a comissão nomeada em 1933 por Duarte Pacheco para estudar uma travessia entre o Beato e
o Montijo e, sobretudo, a génese da
actual ponte 25 de Abril que tem como marco a nomeação, em 1953, de uma
comissão para estudar a ligação
rodoviária e ferroviária entre Lisboa e a margem sul do Tejo. Dos sete técnicos que constituiam a comissão, o Prof. Edgar
Cardoso (que foi engenheiro da JAE até 1951)
dela não fazia parte e Duarte Pacheco também não, uma vez que falecera dez anos
antes, em 1943.
Estes, Sr. Dacosta, são factos indesmentíveis, tendo o
último ocorrido quando o senhor tinha apenas 8 anos e o Prof. Edgar Cardoso 40
anos. Depois de tanta fantasia e ignorância como é possível classificar o
livro como sendo uma "obra decisiva para a compreensão do século XX
português" (El País") e como é possível acreditar no resto, sobretudo no seu cerne: nas
verdades de Dacosta sobre Salazar?
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Lena