segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Ossadas e tecnologia



D. Sebastião e Ricardo III

Há uns anos, em conversa com um grupo de amigos, afirmei, frente a incredulidade geral, que D. Sebastião se encontrava sepultado no Mosteiro dos Jerónimos (no transepto estão os túmulos de D. Sebastião e do Cardeal D. Henrique).  
Que não, que não, que o seu corpo nunca tinha sido encontrado nos campos de Alcácer Quibir. Que o que estava nos Jerónimos não era D. Sebastião.
Insisti até ao admissível pela boa educação porque tive vontade de exclamar “ignorantes”. Mas lembro-me de ter dito “hoje em dia é facílimo: bastaria um teste de ADN ...”.
Depois, não esqueci que uma investigadora da Universidade de Coimbra quis investigar o túmulo de D. Afonso Henriques o que lhe foi negado, à última hora, pela direcção nacional do IPPAR, cujo porta-voz esclareceu que as razões do indeferimento seriam explicadas em comunicado (o qual desconheço por eventual distracção minha). 
O túmulo da igreja do Mosteiro de Santa Cruz, em Coimbra, guarda duas pequenas urnas de madeira, uma sobre outra. , a segunda urna deve ser da mulher de D. Afonso Henriques, D. Mafalda. Em 1515, os restos mortais dos monarcas foram transladados para o novo túmulo, que ficaria na nave da igreja. Entre 1522 e 1530, foram de novo transladados, para a capela-mor, onde se encontram actualmente. 
Mas, em vez da invocação da “modernice ADN”, deveria ter remetido para o livro, interessantíssimo e esclarecedor, sobre “D. Sebastião, rei de Portugal” da autoria de Antonio VillaCorte Baños e publicado pela “Esfera dos Livros”.
Como, em muitas ocasiões o bom senso aconselha, “encostei-me às boxes” e deixei correr a sabedoria e as convicções dos meus amigos.
Eis que, anos passados (“anteontem”), fiquei satisfeito (feitios...) com uma notícia amplamente divulgada pelos media relativa à identificação de personalidades históricas e sobre o que a moderna tecnologia permite na reconstrução em carne de ossadas, o que me impressionou muito menos.
Refiro-me ao rei Ricardo III de Inglaterra.
Morreu na batalha de Bosworth (“Guerra das Rosas”) derrotado por Henry da casa de Tudor, embora com relevante superioridade numérica não sendo de afastar a hipótese de traição por parte dos seus aliados.
Em Agosto de 2012, a Universidade de Leicester anunciou que, juntamente com o “City Council” e a fundação Ricardo III, iria proceder a escavações no local da igreja de Greyfiars,
demolida no tempo de Henrique VIII (1509-1547) com o objectivo de localizar os restos do rei
Ricardo III (último rei plantageneta, último rei inglês a morrer em batalha, último da casa de
York, que reinou de 1483 a 1485) ali enterrado apressadamente e sem pompa. 

Em Fevereiro de 2013 foi confirmada que uma ossada ali descoberta era a de Ricardo III por
correspondência com o ADN de um descendente da sua irmã Ana de York, um marceneiro
canadense.

D. Sebastião morreu em 1578, cerca de cem anos após Ricardo III (contemporâneo do nosso D. João II) e interrogo-me porque razão não haverá ainda por aí alguém com sangue dele (tinha ascendência muito numerosa em Portugal e Espanha) e acabar de uma vez por todas com o mito de ele “aparecer numa manhâ de nevoeiro”...
De Ricardo III, com má fama sobre o seu carácter, têm-se descrições fidedignas sobre o seu físico. Era, segundo Thomas More (1519), coxo e de braços desequilibados e, na peça de Shakespeare, : “...Now is the winter of our discontent...I that am curtail´d of this fair proportion, cheated of feature by dissembling nature, unfinish´d send before my time…and so lamely and unfashionable that dogs bark at me as I halt by them…and descant on my own deformity…
(Ricardo III sofreu aos 12 anos de escoliose genética e  degenerativa que se traduziu numa corcunda e num ombro direito muito mais alto do que o esquerdo). 
 
http://en.wikipedia.org/wiki/Richard_III_of_England 
Sabe-se como Ricardo II morreu (cortado aos bocados com o crâneo esfaqueado e esfacelado) e esse facto foi comprovado pela investigação arqueológica das suas ossadas.
D. Sebastião?
Também se sabe como morreu e qual o aspecto do seu cadáver.
Então o que falta?
Um marceneiro?


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