sábado, 13 de março de 2021

Um texto que vale a pena ler.

A sopa de letras era no passado uma das receitas para um menino birrento não recusar comer e em vez disso comer de tudo. Ela e a colher transformada em avião, carro ou combóio entrava facilmente numa boca teimosamente fechada. Hoje o truque deixou de ser utilizado por falta de tempo e pela adopção de outros métodos educativos. Não queres sopa? Toma lá um doce.

Mas a sopa de letras não desapareceu. Subiu na importância e, num toque de varinha mágica, transfigurou-se em língua pátria. Bastou um acordo ortográfico em que a intelectualidade imbecil e bacoca impera.

                             
O
 QI médio da população mundial, que sempre aumentou desde o pós-guerra até o final dos anos 90, diminuiu nos últimos vinte anos ...É a inversão do efeito Flynn.

Parece que o nível de inteligência medido pelos testes diminui nos países mais desenvolvidos. Pode haver muitas causas para esse fenómeno. Um deles pode ser o empobrecimento da linguagem.

Na verdade, vários estudos mostram a diminuição do conhecimento lexical e o empobrecimento da linguagem: não é apenas a redução do vocabulário utilizado, mas também as subtilezas linguísticas que permitem elaborar e formular pensamentos complexos. O desaparecimento gradual dos tempos (subjuntivo, imperfeito, formas compostas do futuro, particípio passado) dá origem a um pensamento quase sempre no presente, limitado ao momento: incapaz de projeções no tempo. A simplificação dos tutoriais, o desaparecimento das letras maiúsculas e da pontuação são exemplos de "golpes mortais" na precisão e variedade de expressão.

Apenas um exemplo: eliminar a palavra "signorina" (agora obsoleta) não significa apenas abrir mão da estética de uma palavra, mas também promover involuntariamente a ideia de que entre uma menina e uma mulher não existem fases intermediárias.

Menos palavras e menos verbos conjugados significam menos capacidade de expressar emoções e menos capacidade de processar um pensamento. Estudos têm mostrado que parte da violência nas esferas pública e privada decorre directamente da incapacidade de descrever as emoções em palavras.

                                     
Sem palavras para construir um argumento, o pensamento complexo torna-se impossível. Quanto mais pobre a linguagem, mais o pensamento desaparece. A história está cheia de exemplos e muitos livros (Georges Orwell - "1984"; Ray Bradbury - "Fahrenheit 451") contam como todos os regimes totalitários sempre atrapalharam o pensamento, reduzindo o número e o significado das palavras. Se não houver pensamentos, não há pensamentos críticos. E não há pensamento sem palavras.

Como construir um pensamento hipotético-dedutivo sem o condicional? Como pensar o futuro sem uma conjugação com o futuro? Como é possível captar uma temporalidade, uma sucessão de elementos no tempo, passado ou futuro, e sua duração relativa, sem uma linguagem que distinga entre o que poderia ter sido, o que foi, o que é, o que poderia ser, e o que será depois do que pode ter acontecido, realmente aconteceu?                         

Caros pais e professores: Façamos com que os nossos filhos, os nossos alunos falem, leiam e escrevam. Ensinar e praticar o idioma nas suas mais diversas formas. Mesmo que pareça complicado. Principalmente se for complicado. Porque nesse esforço existe liberdade. Aqueles que afirmam a necessidade de simplificar a grafia, descartar a linguagem dos seus "defeitos", abolir géneros, tempos, nuances, tudo o que cria complexidade, são os verdadeiros arquitectos do empobrecimento da mente humana.”

                                                         Texto da autoria de Christophe Clavé.

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