quinta-feira, 14 de maio de 2015

Katmandu, as catástrofes naturais e o homem



Janeiro de 1934, o estado de Bihar no Nepal é atingido por um sismo de magnitude 8,0 que destrói parte das cidades de Katmandu, Bhaktapur e Patan. 12.000 mortos. Gandhi visita a região e classifica a catástrofe como um castigo da Providência por a Índia ter falhado na irradicação dos “intocáveis”. Duzentos anos antes, Voltaire também classificou o sismo de Lisboa como um castigo divino. 
Katmandu, 25 de Abril de 2015, 11h56, o sismo “Gorkha”, de magnitude 7,8, atinge a capital do Nepal e as regiões vizinhas da Índia, da China e do Bangladesh. Milhares de construções destruídas, algumas património da humanidade, mais de 450.000 desalojados, 10.000 mortos. Instala-se o medo e o caos. 12 de Maio, Katmandu destruída é novamente assolada por um sismo de magnitude 7,3.


Desde que há registos históricos a natureza  infligiu ao homem catástrofes que se traduziram por enormes perdas de vidas e de bens. É costume adjectivar essas reacções da natureza como “desastre naturais”.
Eles são entre outros, avalanches, terramotos, maremotos, ventos violentos, chuvas diluvianas. Embora os marremotos só existam porque há  terramotos o homem habituou-se a distingui-los pelos seus efeitos e aparências.
Os ciclones resultam da conjugação de particulares condições de humidade e de temperatura entre o mar e a atmosfera e os tufões, seus primos, arrasam inesperadamente cidades inteiras situadas em corredores geogáficos mais ou menos bem definidos. Do ar vêm chuvas que engrossam os caudais dos rios que submergem estradas, campos, vilas, cidades (como  St. Louis em 1993 e, também, em  2013).
As origens das catástrofes naturais (da terra, do ar ou da água) são, assim, diversas e  as suas consequências  sempre mereceram  por parte do homem a mesma “displicência”, embora tragam destruição, dôr e terror que o tempo se encarrega de apagar.
De facto, se no sítio “tal e tal” ocorrem sismos, tsunamis, tufões, avalanches,  o bom-senso recomendaria que o homem não se instalasse lá e fosse implantar-se longe deles. Mas não, o hábito ancestral, o amor pelo local, o sentido da propriedade, a proximidade de riquezas naturais e de rotas comerciais, entre muitos outros factores, conduzem o homem a ignorar a natureza fatal do local e em teimar em lá permanecer. Seja qual  fôr a maior ou menor grandeza da dôr e dos prejuízos materiais, os planos do homem são reconstruir “lá”. Por vezes é, de facto, a única solução viável, como é o caso de St. Louis ou das vilas situadas nas planícies norteamericanas, noutros não, como empreendimentos em litorais paradisíacos mas muito vulneráveis ao nivel do mar ou de construções no sopé de escarpas sujeitas a deslizamentos de terra ou de neve. Mas o homem está disposto a correr riscos desde que tal compense.
Quando do terramoto de Lisboa de 1755, o Marquêz de Pombal analisou três localizações para a nova Lisboa: no mesmo local, a ocidente para onde se deslocou a corte, a oriente onde a maior parte da nobreza tinha as suas propriedades “citadinas”. Ficou decidido que a nova Lisboa seria reconstruída no mesmo local.
Já muito antes, quando Pompeia e Herculano foram destruídas pela erupção do Vesúvio (79 d.C.), Nápoles apenas a 20 km daquelas duas antigas e destruídas cidades, foi importante cidade do império romano e capital do reino das duas sicílias até ao século XIX. Tem hoje entre 3 a 4 milhões de habitantes. 


Pompeia, 79 d.C. 16.000 mortos. Pompeia ficou completamente coberta de cinza e foi só descoberta em 1748. 
E se o Vesúvio entrasse novamente  em erupção? Seria como hoje em dia no Chile com a erupção do Calbuco e a consequente evacuação da vila de Ensenada com 1.500 habitantes? Claro que não e porque  uma deslocalização de Nápoles ou de Lisboa é totalmente impraticável deveriam ser estudadas e implementadas soluções mitigadoras dos impactos de uma catástrofe, como por exemplo a rigorosa aplicação da regulamentação da construção e, também, a integridade dos acessos a infraestruras vitais em caso de desastre como sejam hospitais, aeroportos, bombeiros.
Lisboa? É um facto que o 1º regulamento de construção resistente aos sismos é português e que as suas disposições arquitectónicas e construtivas resultam directamente das observações que os engenheiros militares  fizeram do sismo de 1755 e das suas consequências: edifícios baixos, sem ressaltos, de planta regular e simétrica, estrutura resistente aliando coerentemente  a rigidez da pedra à flexibilidade da madeira (as denominadas paredes “em gaiola”), disposições estas que, na generalidade embora com outras vestimentas,  se mantêm na moderna  regulamentação estrutural. 


Lisboa, 1 de Novembro de 1755. 40.000 mortos e destruídos 85% dos edifícios da cidade. Sismo com uma magnitude estimada em 8.8-9.0 associado a um gigantesco incêndio e a um marremoto com ondas de 20m de altura. Foi sentido desde a Finlândia às Caraíbas. 
Mas, e se um sismo ocoresse hoje em Lisboa? Não haveria regulamentação que valesse porque raras vezes cumprida atá aos anos 70 do século XX: Lisboa desapareceria novamente, em maior ou menor escala dependendo da qualidade construtiva das construções e da sua localização, e os meios de socorro debater-se-iam com enormes dificuldades de circulação.
E para os marremotos, os tsunamis como hoje são conhecidos, qual a solução?


Tsunami de 26 de Dezembro de 2014. 230.000 mortos de 14 países. O sismo associado teve uma magnitude de 9.0 com epicentro na costa oriental da ilha de Sumatra. Com ondas de 30 m de altura atingiu particularmente a Indonésia, o SriLanka, a Índia e a Tailândia. 
Qual a solução? Não certamente a de sofisticados dispositivos de alerta avisando as populações para que se desloquem para sítios altos. Apenas uma: o homem deve abandonar aquelas zonas e estabelecer a sua residência seguramente afastada do litoral. Mas não, o turismo, por exemplo, e as praias paradisiacas que em muitas situações são a sua razão de ser, não o permitem por compreensíveis razões económicas. O homem está disposto a correr o risco.
Vive-se num mundo que o progresso tornou paradoxalmente mais vulnerável às catástrofes naturais porque a sua escala tornou, na maioria dos casos, impraticável a verdadeira solução: a deslocalização.
Nestas condições apenas resta um conjunto de soluções minimizadoras dos efeitos daquelas catástrofes.
No caso de sismos cuja previsibilidade é nula ou muitíssimo diminuta:
- Estrita aplicação da regulamentação anti sísmica a construções novas; rigorosa e severa fiscalização da observância dessa regulamentação; inspecção, reavaliação e eventiual reforço das estruturas existentes de natureza vital; avaliação da eficácea dos meios de evacuação e de socorro  garantindo a sua integridade em caso de catátrofe.
No caso dos outros “desastres naturais” que a ciência permite hoje prever com maior ou menor rigor (como, por exemplo, ciclones, tufões, erupções vulcânicas e  cheias):
- Estudo e desenvolvimento dos métodos de previsão que permitam o alerta seguro e eficaz das populações potencialmente atingidas; avaliação e organização de meios de socorro e de evacuação em caso de catástrofe.
É o que o actual “estado da arte” nos oferece. Chega para evitar toda a destruição e toda a morte? Não mas já é muito se for de facto aplicado em conjugação com uma severa justiça e com princípios éticos e de boa governação, o que é muito mais difícil do que prever a ocorrência de um terramoto.


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