quarta-feira, 20 de maio de 2015

Techne e Politikos



Não, o tema não é sobre a dramática situação financeira da Grécia, nem da cegueira, revolta e inconsciência (estranha mistura) do seu actual governo (o qual se fosse britânico poderia dar-se ao luxo daquilo tudo; estranho e injusto mundo em que vivemos).  O tema é sobre a política e sobre a técnica que deveria sustentar as suas decisões.
Neste pobre país anda tudo ao contrário e, em época eleitoral, a incompetência e o “lufa lufa” de decisões cruciais de última hora imperam. É, nomeadamente, o caso da TAP e das Águas de Portugal.  A avalanche liberalista vai vencer (e vender) daquele modo.
As decisões são tomadas e, quase sempre, recordadas como pesadas heranças que caíram no regaço de iluminados salvadores da pátria.
“Eles” não souberam resolver o problema, “Nós” sabemos e muito rapidamente.
É caso para lembrar o rei D. Dinis, não descobriu um regaço de dávidas para os pobres porque  encoberto por um “manto protector” de rosas. Por cá e nos nossos tempos, o “manto protector” serve para esconder incompetências (no futebol)  e má política (na política que cada vez mais se confunde nas práticas do “desporto-rei”: corrupção, fanatismo, amadorismo, incompetência).
Está tudo às avessas e o Zé Povinho vai caír na cantiga do barítono e do rapazolas das feiras e esquecer as promessas eleitorais feitas por estes no passado, vergonhosamente violadas e não cumpridas. Vai voltar a votar numa cambada de fedelhos inchados de importância.
O problema no voto deste ano é não haver alternativa para um europeísta que queira uma união entre nações soberanas. Os britânicos não têm este problema, irão fazer um referendo (coisa que os políticos de cá se apressaram a rejeitar) e se quizerem ficar na União Europeia será certamente com uma condição: quem manda no país deles serão eles.
Por cá, está tudo às avessas e quem manda, manda ao serviço de outros lá de fora (e cá de dentro também).
Política, do grego “politikos”, sinifica literalmente “relativo a cidadãos”. No entanto, pode dizer-se que é a arte de influenciar outros e, também,  na prática, a arte de governar, isto é, de organizar a actividade de uma comunidade. No seu âmbito, destacaram-se no passado pela sua relevância  a negociação, a feitura de leis,e a guerra (termo cuja origem em português está no vocábulo germânico “werra”; as invasões germânicas do nosso território deixaram uma marca nos vocábulos de hoje, cerca de 5% passados mais de 1.500 anos).
Quer para uma eficaz  negociação quer para uma boa legislação, é necessário uma completa e, tanto quanto possível,  correcta avaliação da situação que lhes corresponde, ou seja, é necessário o recurso à técnica, do grego “techne” (também considerada uma arte pelos filósofos gregos), a qual, por um conjunto de procedimentos próprios, retrata  em todas as suas componentes  uma determinada situação, seja ela económica, financeira, retórica, musical ou militar.
A “techne” , como arte que é, tem que estar, compreensivelmente, antes da “politikos”, a  arte de governar. 
O que se observa hoje em dia é precisamente o contrário: toma-se uma decisão política e, depois, recorre-se à técnica para a fundamentar ou para a explicar ao cidadão, em particular em período eleitoral. Os resultados são próprios de um episódio de “Alice no País das Maravilhas” e mereceriam um “corte-se-lhe o pescoço!”. 
Exemplos? Há tantos neste pobre país entregue à incompetência, mas o “Plano de Estabilidade e Crescimento” da coligação eleitoral de direita criado por políticos e o “Cenário Macroeconómico” elaborado por economistas para “credibilizar as principais medidas do programa eleitoral” do partido socialista são paradigmáticos.
Primeiro, os políticos, com a sabedoria que a Providência lhes deu,  definem o que é bom para a comunidade e, depois, encomendam a um conjunto de técnicos “independentes” a necessária justificação e explicação.
Todas as decisões de um governo são políticas mas devem ser, manda o bom senso e a credibilidade, justificadas e explicadas com o apoio da técnica. Desgosta-me a interesseira  subordinação da técnica à política.
Tem que haver uma separação, nomeadamente ética, entre elas, reconhecendo-se, como é evidente, que não há uma opinião (“a” opinião) mas que há várias e que nada impede que se dividam e que se reúnam debaixo de várias bandeiras (dos coelhinhos ou dos porquinhos).
A metologia de governo deveria sempre ser, a bem da transparência e do bem público, anunciar ou tomar uma decisão política após uma cuidadosa e criteriosa análise tècnica e não decidir à sua revelia, “sobre o joelho” ou com preconceitos ideológicos ou com interesses escondidos.
Há uma meia dúzia de anos aconteceu coisa extraordinária: a manipulação de estudos técnicos para fundamentar uma decisão sobre a localização do NAL (Novo Aeroporto de Lisboa). A escolha da Ota era uma decisão política, local aberrante para um aeroporto moderno. Só política? Não. Havia interesses dum lado e doutro. Um movimento cívico obrigou, pela evidência que a técnica revelou, a alterar a decisão política e, assim, amanhã, quando houver uma necessidade imperiosa de construção de um novo aeroporto (a Portela segundo informações decorrentes da sua realidade está perto da saturação) e se as finanças públicas o permitirem, a localização de Alcochete estará em cima da mesa e a da Ota fora dela, graças à “techne”.

quinta-feira, 14 de maio de 2015

Katmandu, as catástrofes naturais e o homem



Janeiro de 1934, o estado de Bihar no Nepal é atingido por um sismo de magnitude 8,0 que destrói parte das cidades de Katmandu, Bhaktapur e Patan. 12.000 mortos. Gandhi visita a região e classifica a catástrofe como um castigo da Providência por a Índia ter falhado na irradicação dos “intocáveis”. Duzentos anos antes, Voltaire também classificou o sismo de Lisboa como um castigo divino. 
Katmandu, 25 de Abril de 2015, 11h56, o sismo “Gorkha”, de magnitude 7,8, atinge a capital do Nepal e as regiões vizinhas da Índia, da China e do Bangladesh. Milhares de construções destruídas, algumas património da humanidade, mais de 450.000 desalojados, 10.000 mortos. Instala-se o medo e o caos. 12 de Maio, Katmandu destruída é novamente assolada por um sismo de magnitude 7,3.


Desde que há registos históricos a natureza  infligiu ao homem catástrofes que se traduziram por enormes perdas de vidas e de bens. É costume adjectivar essas reacções da natureza como “desastre naturais”.
Eles são entre outros, avalanches, terramotos, maremotos, ventos violentos, chuvas diluvianas. Embora os marremotos só existam porque há  terramotos o homem habituou-se a distingui-los pelos seus efeitos e aparências.
Os ciclones resultam da conjugação de particulares condições de humidade e de temperatura entre o mar e a atmosfera e os tufões, seus primos, arrasam inesperadamente cidades inteiras situadas em corredores geogáficos mais ou menos bem definidos. Do ar vêm chuvas que engrossam os caudais dos rios que submergem estradas, campos, vilas, cidades (como  St. Louis em 1993 e, também, em  2013).
As origens das catástrofes naturais (da terra, do ar ou da água) são, assim, diversas e  as suas consequências  sempre mereceram  por parte do homem a mesma “displicência”, embora tragam destruição, dôr e terror que o tempo se encarrega de apagar.
De facto, se no sítio “tal e tal” ocorrem sismos, tsunamis, tufões, avalanches,  o bom-senso recomendaria que o homem não se instalasse lá e fosse implantar-se longe deles. Mas não, o hábito ancestral, o amor pelo local, o sentido da propriedade, a proximidade de riquezas naturais e de rotas comerciais, entre muitos outros factores, conduzem o homem a ignorar a natureza fatal do local e em teimar em lá permanecer. Seja qual  fôr a maior ou menor grandeza da dôr e dos prejuízos materiais, os planos do homem são reconstruir “lá”. Por vezes é, de facto, a única solução viável, como é o caso de St. Louis ou das vilas situadas nas planícies norteamericanas, noutros não, como empreendimentos em litorais paradisíacos mas muito vulneráveis ao nivel do mar ou de construções no sopé de escarpas sujeitas a deslizamentos de terra ou de neve. Mas o homem está disposto a correr riscos desde que tal compense.
Quando do terramoto de Lisboa de 1755, o Marquêz de Pombal analisou três localizações para a nova Lisboa: no mesmo local, a ocidente para onde se deslocou a corte, a oriente onde a maior parte da nobreza tinha as suas propriedades “citadinas”. Ficou decidido que a nova Lisboa seria reconstruída no mesmo local.
Já muito antes, quando Pompeia e Herculano foram destruídas pela erupção do Vesúvio (79 d.C.), Nápoles apenas a 20 km daquelas duas antigas e destruídas cidades, foi importante cidade do império romano e capital do reino das duas sicílias até ao século XIX. Tem hoje entre 3 a 4 milhões de habitantes. 


Pompeia, 79 d.C. 16.000 mortos. Pompeia ficou completamente coberta de cinza e foi só descoberta em 1748. 
E se o Vesúvio entrasse novamente  em erupção? Seria como hoje em dia no Chile com a erupção do Calbuco e a consequente evacuação da vila de Ensenada com 1.500 habitantes? Claro que não e porque  uma deslocalização de Nápoles ou de Lisboa é totalmente impraticável deveriam ser estudadas e implementadas soluções mitigadoras dos impactos de uma catástrofe, como por exemplo a rigorosa aplicação da regulamentação da construção e, também, a integridade dos acessos a infraestruras vitais em caso de desastre como sejam hospitais, aeroportos, bombeiros.
Lisboa? É um facto que o 1º regulamento de construção resistente aos sismos é português e que as suas disposições arquitectónicas e construtivas resultam directamente das observações que os engenheiros militares  fizeram do sismo de 1755 e das suas consequências: edifícios baixos, sem ressaltos, de planta regular e simétrica, estrutura resistente aliando coerentemente  a rigidez da pedra à flexibilidade da madeira (as denominadas paredes “em gaiola”), disposições estas que, na generalidade embora com outras vestimentas,  se mantêm na moderna  regulamentação estrutural. 


Lisboa, 1 de Novembro de 1755. 40.000 mortos e destruídos 85% dos edifícios da cidade. Sismo com uma magnitude estimada em 8.8-9.0 associado a um gigantesco incêndio e a um marremoto com ondas de 20m de altura. Foi sentido desde a Finlândia às Caraíbas. 
Mas, e se um sismo ocoresse hoje em Lisboa? Não haveria regulamentação que valesse porque raras vezes cumprida atá aos anos 70 do século XX: Lisboa desapareceria novamente, em maior ou menor escala dependendo da qualidade construtiva das construções e da sua localização, e os meios de socorro debater-se-iam com enormes dificuldades de circulação.
E para os marremotos, os tsunamis como hoje são conhecidos, qual a solução?


Tsunami de 26 de Dezembro de 2014. 230.000 mortos de 14 países. O sismo associado teve uma magnitude de 9.0 com epicentro na costa oriental da ilha de Sumatra. Com ondas de 30 m de altura atingiu particularmente a Indonésia, o SriLanka, a Índia e a Tailândia. 
Qual a solução? Não certamente a de sofisticados dispositivos de alerta avisando as populações para que se desloquem para sítios altos. Apenas uma: o homem deve abandonar aquelas zonas e estabelecer a sua residência seguramente afastada do litoral. Mas não, o turismo, por exemplo, e as praias paradisiacas que em muitas situações são a sua razão de ser, não o permitem por compreensíveis razões económicas. O homem está disposto a correr o risco.
Vive-se num mundo que o progresso tornou paradoxalmente mais vulnerável às catástrofes naturais porque a sua escala tornou, na maioria dos casos, impraticável a verdadeira solução: a deslocalização.
Nestas condições apenas resta um conjunto de soluções minimizadoras dos efeitos daquelas catástrofes.
No caso de sismos cuja previsibilidade é nula ou muitíssimo diminuta:
- Estrita aplicação da regulamentação anti sísmica a construções novas; rigorosa e severa fiscalização da observância dessa regulamentação; inspecção, reavaliação e eventiual reforço das estruturas existentes de natureza vital; avaliação da eficácea dos meios de evacuação e de socorro  garantindo a sua integridade em caso de catátrofe.
No caso dos outros “desastres naturais” que a ciência permite hoje prever com maior ou menor rigor (como, por exemplo, ciclones, tufões, erupções vulcânicas e  cheias):
- Estudo e desenvolvimento dos métodos de previsão que permitam o alerta seguro e eficaz das populações potencialmente atingidas; avaliação e organização de meios de socorro e de evacuação em caso de catástrofe.
É o que o actual “estado da arte” nos oferece. Chega para evitar toda a destruição e toda a morte? Não mas já é muito se for de facto aplicado em conjugação com uma severa justiça e com princípios éticos e de boa governação, o que é muito mais difícil do que prever a ocorrência de um terramoto.


quarta-feira, 6 de maio de 2015

Golias, os Gigantes e a fotografia



             
                                                     (Litografia de Osmar Schindler)


Há uns tempos, em conversa com um amigo meu, tomei conhecimento de uma descoberta  espantosa em escavações  arqueológicas realizadas no extremo Norte da Grécia.  Nem mais nem menos do que os esqueletos das míticas figuras dos Gigantes.
Incrédulo e não permitindo que a minha natural ingenuidade deixasse de actuar (uma tal notícia deveria ter ocupado as primeiras páginas da imprensa nacional e internacional, com excepção, é claro, dos jornais desportivos), pedi-lhe que me enviasse tais fotografias.  Recebi, então, um mail intitulado “A Bíblia tem razão!” (ponto de exclamação incluído) que não só continha as fotografias (cujo visionamento ultrapassou em tudo todas as minhas expectativas) mas também as referências da Bíblia relacionadas com aquele mito (Génesis 6.4; Deuterónimo 2.10-11 e 3.11; Números 13.33; Samuel 17.4).
Consultei estes capítulos do livro sagrado e verifiquei que os escritos enviados correspondiam à verdade. Apressei-me, então, a divulgar a extraordinária “boa nova” aos meus correspondentes.
Hoje, numa leitura sobre a luta do gigante Golias com David, voltei a encontrar aquelas referências e, ao aprofundar o assunto, descobri que não foi só Estaline que mandou falsificar as fotografias em que figurasse a figura de Trotsky (apagando-o) mas, também,  que hoje em dia o “software” da fotografia digital permite “milagres” de manipulação, o que, aliás conheço e pratico mas à escala de amador.
Golias (1.200 a.C. – 1.000 a.C.),  natural da cidade filisteia de Gate (arrasada por Nabucodonosor depois da destruição de Jerusalém – 587 a.C.), tinha outros irmãos gigantes como ele, nomeadamente Lami (Livro I de Samuel, Crónicas 20.5).
Golias media seis côvados e um palmo de altura (2,97m) e na sua luta com David vestia uma cota de malha que pesava 57 quilos, uma lança com uma ponta de ferro de 6 quilos e uma espada que não deveria ter um peso acima das do tipo convencional  (estranho) uma vez que David a utilizou posteriormente nas suas batalhas. Uma descrição da breve luta pode ler-se no Livro I de Samuel (17-4).
Ao ler a descrição da muito breve luta, surgiu-me uma dúvida: como é que, genericamente, um objecto que bate na frente de um obstáculo o faz tombar para a frente? Como é que a pedra atirada por David e que atinge a testa de Golias com uma força estimada em mais de 3.000 Newtons o faz tombar para a frente? Deveria, segundo as leis da dinámica, fazê-lo recuar ou quanto muito tombar para trás. É outro “mistério” e há quem o resolva dizendo que a pedra não atingiu a testa do gigante mas antes se tenha alojado numa das caneleiras metálicas da armadura impedindo Golias de dobrar a perna para andar e, em resultado,  caír. Não é mal imaginado. Mas, seja como for, David  matou Golias e cortou-lhe a cabeça (aparentemente hábito daquela região).
Naquele tempo, existiam homens de estatura gigantesca (note-se que Saul era um homem alto -  tinha uma altura de mais de 1,80m - e que ao ver Golias ficou apavorado, ele e todo o exército hebreu). 
“Naquele tempo, havia gigantes na terra, e também depois, quando os filhos de Deus se uniram às filhas dos homens e delas tiveram filhos” (Génesis 6.4), “Até vimos ali gigantes, filhos de Anac, descendentesdos gigantes.
Comparados com eles parecíamos gafanhotos” (Números 13-33). A “Bíblia tem razão”, alguma ou muita, sem dúvida, mas as imagens dos esqueletos de gigante que me enviaram e que abaixo reproduzo são falsas e resultado de manipulação de fotografia digital:
Vide: https://answersingenesis.org/creationism/arguments-to-avoid/were-giant-skeletons-found-in-the-desert/




            
                                           

(**)Os Filisteus conviveram durante séculos com os povos semitas. Faziam parte dos “povos do mar” que invadiram o Egipto. Expulsos de lá pelo faraó Ramsés III, deslocaram-se para Oriente para a região de Israel onde fundaram as cidades de Asdobe, Ascalão, Ecrom, Gaza e Gate (a denominada Pentapolis Filisteia). Quando Ciro o Grande conquistou o império da Babilónia, os filisteus abandonaram as suas cidades (posteriormente ocupadas pelos Fenícios) e desapareceram da História como povo.