O texto que segue constitui provavelmente um
extracto do Livro “Portugal na Bancarrota – Cinco Séculos da História da Dívida
Soberana Portuguesa” da autoria de Jorge Nascimento Rodrigues e publicado em
2012 pela editora “Centro Atlântico”. No entanto, tive dele conhecimento por
mail que me foi enviado há bem pouco tempo. Nele constava como autoria um
blogue e uma fonte: Expresso. Recorri à net e nela do Expresso nada encontrei
relativamente ao texto recebido. É lamentável.
Por outro lado, os recentes
casos/escândalos do GES/BES (que revela a falta de escrúpulos dos que guardam
as poupanças dos cidadãos e a total ineficácia dos denominados órgãos de
supervisão – nomeadamente o Banco de Portugal e as empresas de auditoria - ), dos vistos “gold” (em que são arguidos,
inclusivamente presos no âmbito da investigação em curso levada a efeito pelo
Ministério Público, altos responsáveis de importantes órgãos públicos), a prisão
de um ex-primeiro ministro acusado de corrupção, fraude fiscal qualificada e branqueamento de capitais (aparentemente no uso das suas funções) e uma série de outros casos de justiça que assolaram
este pobre país (casos Monte Branco, BPP, etc.), levantaram a
questão de se saber se Portugal tem dinheiro para pagar a enormidade que deve
e, simultâneamente, assegurar os compromissos assumidos para com os
contribuintes, em particular os reformados, os vencimentos da função pública, os serviços de saúde, de educação e de segurança social. A resposta evidente é que
não (Jean Paul Trichet-Presidente do BCE entre 2003 e 2011- dixit à RTP em Maio de 2011) e que os responsáveis por esta situação são, tal como no BES, todos e
ninguém.
Diz o Governo que a culpa é dos governos anteriores, responde a oposição que a melhoria da situação não passa de embuste e que a situação de hoje é bem pior do que a de ontem e que graças à sua acção foi evitado um segundo resgate...
Ao trancrever este texto, cujo
interesse e actualidade me parecem claros, procuro apenas divulgar que a
desgraça de hoje não é, infelizmente, de hoje e que as medidas preconizadas e
tomadas no século XIX são, curiosamente, o que alguns economistas e forças políticas preconizam hoje, para
escândalo de outros: uma reestruturação da dívida... Diz o Governo que a culpa é dos governos anteriores, responde a oposição que a melhoria da situação não passa de embuste e que a situação de hoje é bem pior do que a de ontem e que graças à sua acção foi evitado um segundo resgate...
A “imposição” de apenas se publicar o que é
“original” é, na minha opinião, estulta e lembra-me a crítica de um professor
catedrático do Instituto Superior Técnico o qual iniciou a sua apreciação de
uma tese de doutoramento com a frase “na sua tese o que é bom não é original e
o que é original não é bom”. Provavelmente esta crítica também não foi original.
Com a devida vénia a Jorge Nascimento Rodrigues, transcrevo algumas trechos que
julgo constarem do seu livro.
“(...) Oficialmente a 1ª bancarrota ocorreu em
1560 durante a regência da viúva de D. João III e a última, no final da monarquia, acabou com
uma reestruturação da dívida soberana cuja negociação durou 10 anos. Na
realidade, podem-se contabilizar 8: 1560,1605, 1834, 1837, 1840, 1846, 1852 e
1892, ou seja, a maioria já no século XIX.(...).Dois outros momentos que fazem parte da história
das bancarrotas de Portugal, apesar de não estarem catalogados como tal, são o
período de hiperinflação no reinado do fundador da dinastia de Aviz no final do
século XIV e o aviso de bancarrota em 1544 através da feitoria portuguesa em
Antuérpia ainda no reinado de D. João II.
1384-1422: Mestre de Aviz, o
campeão da hiperinflação.
Um real de prata valia 19 vezes menos do que no
tempo do reinado de D.Fernando I e a inflação era galopante, tendo os preços
quintuplicado. A bancarrota seria certa se D. João I e os seus conselheiros não
tivessem decidido, desde as reuniões em Torres Vedras em 1412, desencadear um
processo de projecção externa cuja primeira operação viria a ser a conquista de
Ceuta (...) o corso atlântico (...) os Descobrimentos.
Um balanço daquela época de economia de guerra é
de crise até 1422: a desvalorização do marco de prata foi da ordem dos 100.000%
face ao valor que tinha em 1383.
1544: A quase bancarrota na Flandres.
As dívidas na feitoria de Antuérpia, na Flandres,
somavam 3 milhões de cruzados. D. João III salvou-se de ser o primeiro monarca
português a decretar a falência do Estado. (...) Entretanto, a feitoria na
Flandres seria fechada em 1549 e o rei morreria em 1557. Os problemas seriam
herdados pela sua viúva, Catarina da Áustria.
1560: A herança que a viúva recebeu.
Durante a regência caiu-lhe em cima a bomba de uma dívida astronómica. O neto Sebastião ainda era demasiado novo e coube-lhe a ela gerir a emergência da decadência do grande império manuelino. (...). O alvará de 2 de Fevereiro de 1560 (...) mandava cessar o pagamento de juros a cargo da Casa da Índia, proibia a colocação de novos empréstimos.(...), nos reinados de D. Sebastião e do cardeal Henrique, as obrigações do governo português já se negociavam a 45 e até a 40% do seu valor facial.
Durante a regência caiu-lhe em cima a bomba de uma dívida astronómica. O neto Sebastião ainda era demasiado novo e coube-lhe a ela gerir a emergência da decadência do grande império manuelino. (...). O alvará de 2 de Fevereiro de 1560 (...) mandava cessar o pagamento de juros a cargo da Casa da Índia, proibia a colocação de novos empréstimos.(...), nos reinados de D. Sebastião e do cardeal Henrique, as obrigações do governo português já se negociavam a 45 e até a 40% do seu valor facial.
1605: o default com sabor castelhano.
Foi neste contexto que ocorreu a bancarrota de 1605 - uma peripécia menos conhecida e raramente referida.
Foi neste contexto que ocorreu a bancarrota de 1605 - uma peripécia menos conhecida e raramente referida.
1828-1834: A factura do
"miguelismo".
1837 a 1852: O calvário de
incumprimentos no reinado de Maria da Glória.
O reinado (...) de D. Maria II (1837-1853), juntou
vários eventos de suspensão de pagamentos, o primeiro logo em 1837, que geraram
o período mais longo de “defaults” na história portuguesa. Em 1852, decreta-se
a consolidação da dívida interna e externa, o que gerou a revolta sobretudo dos credores ingleses, até que
se celebrou um convénio em Dezembro de 1855, que (...) surpreenderia hoje,
pelos credores "terem aceitado a consolidação em troca de
contrapartidas bastante modestas".
Estas bancarrotas ocorreram num período de quase
20 anos de golpes e contra-golpes (...). A situação só acalmou, de facto, com a regência do
(...) reiconsorte Fernando II (...). O país adopta o padrão ouro que permitia
estabelecer uma relação com a libra esterlina, a moeda chave do comércio
internacional e das relações comerciais com Portugal (...).
1892-1902: A longa
re-estruturação da dívida soberana no final da monarquia.
A revista inglesa The Economist andava a avisar
(...): "Os mercados monetários da Europa estão a ficar cansados, e não
sem razão, da constante solicitação por Portugal de novos empréstimos",
escrevia em 27/11/1880. E em 1885: "No próprio interesse de Portugal era
preferível que as suas facilidades de endividamento fossem, agora,
restringidas". Rebentou então uma crise financeira mundial (...)
que contagiaria Portugal por vários canais (...).Com a contracção dos mercados
de capitais internacionais, durante a crise financeira mundial de 1890-1893, o
ecossistema financista português desabou. Juntou-se o esboroamento do padrão-ouro
que havia sido adoptado em 1854. (...). A balança de pagamentos
acaba por ter um défice gigante em 1891 (...). A dívida total (externa e
interna) que andava pelos 24 milhões de libras em 1858 disparou para 127 mil
milhões de libras. Apesar da pobreza do país, era a 2ª maior da Europa per
capita, depois da França.
A revista inglesa, de novo, escrevia: "Tem sido evidente de há bastante tempo que o país estava a viver acima dos seus meios. Mais tarde ou mais cedo era inevitável que acabasse em bancarrota - e foi à bancarrota que Portugal agora chegou" (6/2/1892). E acrescentava: "É inevitável uma redução significativa do encargo com a dívida, que absorve quase metade da receita total. Os detentores da dívida portuguesa têm de consentir num abatimento dos seus direitos, por força das circunstâncias". Os ingleses aconselhavam mesmo: "Se Portugal abordar os seus credores leal e francamente nestas linhas ser-lhe-árelativamente fácil efectuar um acordo razoável com eles".
A solução acabaria por ser imposta por decreto. Os
credores externos não aceitaram o curso forçado do papel-moeda emitido pelo
Banco de Portugal. (...). O governo teve de suspender parcialmente os encargos
altos da dívida. (...). O objectivo último acabaria por ser a reestruturação e
reescalonamento dos pagamentos. Julgava-se que no final do convénio de 1902 com
os credores se obteriam novos empréstimos - mas isso não aconteceu. A dívida
seria convertida num novo empréstimo amortizável a 99 anos, até 2001 (...).”
Noventa-e-nove
anos...
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