quinta-feira, 29 de agosto de 2013

O Chiado e a Basílica da Estrela


O Chiado ardeu há 25 anos. Observei incrédulo e chocado o início do terrível incêndio do Miradouro da Graça. Eu e colegas mais novos que para lá arrastei. Regressei ao trabalho apreensivo. No final do dia a extensão do incêndio ultrapassava em muito o edifício do Grandela, onde começara. Foram destruídos dezoito edifícios e registaram-se, para além de desalojados, dois mortos e dezenas de feridos. 

A  Basílica da Estrela teve as suas obras concluídas em Setembro de 1790, há 223 anos, quase 200 anos antes do grande incêndio. As madeiras que serviram nos andaimes da obra da Basílica  eram tantas que quase chegaram para fazer as casas que abrangem o quarteirão do Chiado do lado sul, entre as ruas Ivens (antiga R. de S. Francisco) e Nova do Almada.


               
“Em 1760, a princesa herdeira D. Maria Francisca, futura rainha D. Maria I, fez um voto no dia do seu casamento de que no caso de ter um filho varão procederia à construção de um convento para as religiosas Carmelitas Descalças. Em 1777, após a morte de D. José I, D. Maria I escolheu o local conhecido por Casal da Estrela, propriedade da Casa do Infantado, para a construção da basílica (…)”.
A Basílica da Estrela é onde se encontra, no transepto direito, o túmulo de D. Maria I, a qual faleceu no Brasil. É a única rainha da dinastia de Bragança que não está sepultada no Mosteiro de São Vicente de Fora. 
“...Introduziu D. Maria I nestes reinos o instituto das religiosas da Visitação, de que tinham sido fundadores S. Francisco de Sales e Santa Joana Francisca, e fundou no Largo da Estrela, em Lisboa, o Convento de Freiras Carmelitas Descalças de Santa Teresa, com invocação do Santíssimo Coração de Jesus. 
A basílica do Coração de Jesus foi começada em 24 de Outubro de 1779, foi concluída em 15 de Novembro de 1790 e custou mais de seis milhões de réis (seis contos). Dirigiu a obra o major Mateus Vicente e depois Reinaldo Manuel. A escultura interior e relevo da frontaria é de Joaquim Machado de Castro. Superintendeu na administração geral das obras Anselmo José da Cruz Sobral. (...) a instalação (do convento) fez-se a 16 de Fevereiro de 1781, entrando dezasseis freiras, assistindo a rainha e família real à grande festa que houve, terminando por um jantar das religiosas servido pelas pessoas reais”.(in “Raínhas de Portugal” de Francisco da Fonseca Benevides, 1878).  
O filho tão desejado por D. Maria, D. José, nasceu no Palácio da Ajuda a 20 de Agosto de 1761 e faleceu aos vinte e sete anos de varíola, em Lisboa. A sua morte contribuiu para a loucura da sua mãe a Rainha. Foi o primeiro a ter o título de Príncipe da Beira o qual lhe foi dado pelo seu avô o rei D. José I. O seu corpo encontra-se sepultado em São Vicente de Fora. O seu irmão D. João tornou-se o herdeiro da coroa e, mais tarde, rei de Portugal, com o nome de João VI de Portugal. 
O título de Principe da Beira foi criado em 1734 por D. João V. Era destinado ao filho mais velho do rei e presuntivo herdeiro da coroa. Até essa data, o príncipe herdeiro tinha o título de Príncipe do Brasil sendo o de Príncipe da Beira atribuído ao seu filho ou filha mais velha, isto é, ao segundo na linha da sucessão. A primeira Princesa da Beira foi a neta de D. João V, D. Maria Francisca, a futura rainha D. Maria I.



domingo, 25 de agosto de 2013

Curvas e coisas chatas



“ Ay qué trabajo me cuesta quererte como te quiero! Por tu amor me duele el aire, el corazón y el sombrero. “F. G. Lorca 

Intróito: regressei de férias...na praia...exactamente, na praia. Que me desculpem qualquer coisinha no que se segue.

Lembro-me dos olhares reprovadores, dos mais cerimoniosos, e das críticas e conselhos, dos mais íntimos, quando em mim se manifestavam, com toda a clareza, os meus calmos, caseiros e (no entendimento deles) chatos gostos. Sim é verdade, gostava e gosto de coisas que a divertida sociedade considera chatas. 

Com excepção, claro, de alguns femininos atributos (o pudor e a timidez impedem-me de aqui especificar) alguns dos quais uma ânsia de ostensiva aparência quer para sempre cheios, firmes e redondos (porquê esféricos?). 
A cirurgia plástica resolveu hoje o problema e é vê-las orgulhosas de inabaláveis, nutridas e estáticas plataformas, que assim ficam até com o simples andar. Fim dos doces bamboleios, indiscutíveis instrumentos da humana luxúria mas, também, insubstituíveis fontes de inspiração dos melhores e mais afoitos poetas. E o orgulho delas e a gula de alguns deles ficam por aqui, coitados.
E os olhos? Espelhos da alma e sinais mudos de desafios? 
E a boca, na sua oferta, no seu sorriso, no seu amuo? 
E a curva da anca? E a do busto? E a do pescoço?
E umas lindas mãos?
Tudo na mulher é melhor. Tudo menos, claro, o que não é. 
 (Fotos tiradas da "net" exemplificativas daquela excepção...As minhas - e fui um muito razoável fotógrafo - saíram desfocadas e, sobretudo, tremidas. Espero que tenha sido pela emoção e não pelas maleitas da idade).
Sim sim, gosto perdidamente da mulher, do seu olhar, do seu gesto, do seu sorriso, da sua curva, de tudo o que no corpo ela é. O maravilhoso corpo da mulher, a sua promessa, a sua tentadora promessa, será coisa chata? 
No entanto, há coisas que ainda mais desejo, que eternamente ficam e que, essas então, não compreendo que outros possam considerar chatas. Um olhar brilhante e verdadeiro, um gesto reconfortante e solidário, um sorriso cúmplice e amoroso e, acima de tudo, a ternura, a maravilhosa, incomparável e única ternura da mulher. 
Mas não o contesto, para escândalo e escondida reprovação de todos, também gosto (olhem que maçada) de coisas que eles dizem chatas: da família, da minha casa, dos livros, da música, do trabalho, de poucos mas verdadeiros amigos (da divertida sociedade não). 
Meu Deus, como é que se pode ser tão chato, tão chato, meu Deus? 
E por esta razão imagine-se, disseram-me, não fui convidado para uma viagem à China. Logo à China, mundo de gentes ainda imunes às distracções desta nossa triste divertida sociedade e com mulheres frágeis, graciosas e ainda donas (até quando?) de naturais e vivas formas. 
Pois é, aparentemente e para minha surpresa, mesmo para os melhores amigos sou um chato, mas sinto-me bem assim. É a conclusão, definitivamente é a conclusão a que cheguei: gosto mesmo daquelas coisas que eles dizem chatas. Poderá ser triste e mesmo chato para outros, mas sinto que são óptimas para mim, para os meus e para a minha vida.

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Comité de sábios



Pela voz do génio precoce ministro Poiares Maduro, o Governo anunciou a criação de um “comité de sábios”. Não é uma comissão mas são sábios. Doze sábios e três sábias (onde está a paridade?). 
                             
Neles, identificam-se dois “independentes” próximos da área do PSD que tem cinco, sete são próximos do PS e um do CDS. Oito são das económicas/finanças, três são juristas, dois são engenheiros académicos, um é sociólogo e um é licenciado em geografia. Dois dos sábios têm pouco mais de 40 anos.
Qual a razão desta peregrina ideia de um “comité de sábios”? Para a criação de um novo
vocábulo "politicocomunicacional"? Para lavar as mãos na distribuição da riqueza que aí vem?
Para provar uma “transparência” na gestão do dinheiro que a Europa nos irá dar? Porquê? E qual a missão deste “comité”? Segundo o Governo, entre outras, definir uma “arquitectura de
programação”, um “verdadeiro processo concorrencial na definição de prioridades” e “instrumentos públicos a privilegiar”. Frases sonantes, quase próprias da cabala, e (atenção à matéria) relacionadas com a gestão dos fundos comunitários.
De acordo com o “Quadro de Referência Estratégico Nacional”, Portugal já recebeu 11.932,6 milhões de euros, correspondente a 55, 72% da sua dotação programada para o período 2007-2013 (www.qren.pt/np4/3381.html).
É um total de mais de 21.415 milhões de euros que corresponde, para aquele período de sete anos, a uma verba de cerca de 8,3 milhões de euros por dia e de 3.059 milhões de euros por ano, em média.
Há muito dinheiro que se recebeu e continua a receber-se da Europa. Gastá-lo bem é,
naturalmente, o que importa. Mas em Portugal, contrariamente ao que acontece noutros
países europeus, são necessários sábios para estudar a questão. Independentes, claro, como foi sublinhado pelo Sr. Poiares Maduro (independentes de quem? porquê o sublinhado? haverá alguém verdadeiramente independente?). Claramente os quinze não o são, bastando para tal consultar as suas biografias. E, já agora, sábios também têm que ser. Claramente também não o são. Longe disso, muito longe disso.
O Governo encontrou quinze, não se sabe com que critério, e baptizou o conjunto com um
nome ridículo que só se justifica pelo ridículo da ideia. Mas, no fundo, este Governo o que é para além de trapalhão? É isso.
O que me faz espanto é o convencimento dos magníficos quinze que o são dado que não o contestaram. Eventualmente limitaram-se a aceitar inclinando modestamente a cabeça. Eles sábios? Há pouquíssimos em Portugal, na Europa e no Mundo. Há, todos os anos, “nóbeis”, mas sábios? 
Eles, os 15, não tiveram o mínimo de pudor de se deixarem adjectivar assim. Estão porventura convencidos de uma sua suma e crucial importância. Para eles é uma situação triste (embora a arrogância e a vaidade sejam, frequentemente, véus para a vergonha). Para o cidadão é a continuação das trapalhices.
Os sábios farão alguma coisa concreta, criteriosa e economicamente eficaz, ou limitar-se-ão a dizer qualquer coisa quando forem chamados à pedra? Ver-se-à, então, se a frase de Platão se aplica.

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Férias!


Estas intermináveis "férias" porque forçadas não me permitem, infelizmente, acabá-las. No entanto, porque me cansam e me pesam na consciência decidi, para esquecê-las, ir para férias. 
Esta minha decisão é "irrevogável, obedeço à minha consciência e mais não posso fazer."

 ♫ “Les jolies colonies de vacances
  Merci maman, merci papa.
  Tous les ans, je voudrais que ça r'commence
  You kaïdi aïdi aïda.” ♫

Adeus e até ao meu regresso.


Afinal, não sei se regresso já...




sexta-feira, 9 de agosto de 2013

O boneco insuflável



                                                         No metro

         “...O problema é mais estético do que ético, filosófico, sexual, psicológico ou político,

          ... porque tudo o que importa é, ao fim e ao cabo, estético...” M.Vargas Llosa



Estive quase dois anos em Paris. As cidades são como os humanos, só se conhecem verdadeiramente bem na intimidade e nunca de modo salteado ou ao longe.
Lisboa, esta cidade de que tanto gosto, com a sua luz única e espantosa, é lindíssima vista ao longe. Paris é uma cidade linda, de perto ou ao longe, desde a Concorde até à Défense, de ocidente no Bois de Boulogne a nascente no seu único relevo da Bûte de Montmartre. 
Mas das suas gentes guardo recordações pouco lisonjeiras. Os parisiences e a caca dos seus cães são execráveis. A sua xenofobia só é igualada pela sua falta de simpatia e de polidez. É certo que em dez deles só três são franceses de origem, como na altura me garantiram almas caridosas e sensiveis aos agoniantes remoinhos que me invadiam. Remoínhos vindos daquelas realidades que, diariamente, esbarravam comigo, que constantemente assaltavam o meu sangue meio francês e a minha mente e, porque não confessá-lo, a minha alma francesa.
De dia, aturava o orgulho, a presunção e a altivez dos professores da minha escola. Tudo inteligências de primeira água, com enorme antipatia pelos alemães e... confrangedora submissão aos ingleses, quem diria ? Mas era assim e, rapidamente, para me livrar da minha auréola de “métèque“, substituí, para efeitos escolares, o meu impecável francês pelo inglês. Os resultados foram imediatos e, ainda hoje em dia, interrogo-me se a alta consideração de que beneficiei no fim do curso não terá sido mais um resultado colateral daquela estratégia.
Nos tempos livres, gastos a conhecer a cidade, cruzava-me com eles ordinarotes, com elas provocantes e com os seus cães cujos dejectos decoravam os passeios.
Era assim à superfície e era assim no eficientíssimo metro. Nas horas de ponta aquilo era insuportável mas permitia corrigir o tiro: elas não eram assim tão apetitosas.
De noite os corredores e carruagens desertas inspiravam um certo receio e, por vezes, curiosidade pela fauna na qual se cruzavam, com grosseiros e boas, músicos, "clochards", e menos-boas.
Mal recebido pela minha família de sangue, tive a felicidade de conviver com tios por afinidade.
O meu apartamento era no quinzième perto da Place Balard, o deles no douzième, junto à Avenue Daumesnil. Para quem não conhece a grande cidade, estávamos ambos a Sul, mas em extremos opostos. Era uma distância dos diabos, de metropolitano era quase uma hora de trajecto. Eu adorava lá ir jantar, mesmo que à ida fosse misturado com aquela detestável multidão e no regresso, a horas tardias, com a estranha sensação de que tudo aquilo estava a funcionar só para mim. 
Uma noite, bem passada como sempre, entrei na carruagem e verifiquei que não estava sózinho, como era habitual. Um parzinho estava todo enroscado uns dois bancos mais à frente. Para não variar, ele grosseiro, ela muito provocante.
A principio era tudo calmo, em silêncio com alguns risinhos, mas logo que a corneta tocou,
que as portas se fecharam e que a carruagem estremeceu com o arranque, começou o espectáculo o qual, dada a minha localização, não podia felizmente ignorar. Julgo, inclusivamente, que após ela ter revirado os olhos (e assim continuaram com breves pausas ao longo de todo um trajecto com mais de vinte estações) perdi a vergonha e olhei-os ostensivamente, à francesa.
Os corpos misturavam-se numa sensual e selvagem dança. Naquele erótico e animado quadro ela manejava com imaginação e arte uma paleta de língua, dentes, braços, mãos, dedos, pernas, coxas, ventre. Enrolava-se lascivamente nele, com impaciência, e tanto estava de lado, como por cima, como por debaixo dele, procurando avidamente a sua boca e quando a encontrava nela mergulhava violentamente e, então, a sua língua participava numa sôfrega sucessão de desvairados beijos e de quase raivosas, violentas e libidinosas mordedelas, enquanto as suas mãos percorriam, impaciente e atabalhoadamente, as redondezas do torço, do ventre, das coxas.
Ele era quase inerte, como um boneco insuflável.    
E o silêncio tambem se quebrou. Os risinhos eram cada vez menos e mais altos e substituidos por arfares e frases curtas em francês.
Ela, olhando para mim, resolveu, suponho, armar-se em esperta e tornar hermético o espectáculo. Começou a linguajar português! Para o meu deliciado espanto as frases estalaram cruas, e muito adequadas a cada posição, a cada fantasia bem descrita (quem,onde, como) sabiamente enquadradas pelas circunstâncias “ etceteraetal “ e acondimentadas por vernáculos e apropriados insultos, muito apaixonados mas sistematicamente centrados numa aparente insatisfação com o funcionamento do “cabrão de francês“ .
Eu estava como nunca tinha estado e passei quase uma hora de espectáculo originalíssimo e em exclusivo.
A fogosidade da moça e os seus insultos ao cabrão do francês comoveram-me e, chegada a minha estação, não resisti.
Aproximei-me, pedi licença e olhando-a bem despedi-me:
 
“Muito boa noite, gostei muito, mesmo muito. Muito obrigado”.


                                         

domingo, 4 de agosto de 2013

Do Tempo




“Deus nos pede do tempo estreita conta!
É preciso dar conta a Deus do tempo!
Mas como dar, ao tempo, tanta conta, 
Se se perde sem conta tanto tempo?!

Para fazer a tempo a minha conta,
Dado me foi, por conta, muito tempo. 
Mas não cuidei no tempo e foi-se a conta…
Eis-me agora sem conta…eis-me sem tempo…

Ó vós que tendo tempo e tendes conta,
Não o gasteis, por nunca, em passatempo,
Cuidai, enquanto é tempo, a terdes conta.

Ah! Se quem esta conta de seu tempo
Tivesse feito, a tempo, preço e conta,
Não chorava, sem conta, o não ter tempo.” 

Frei Castelo Branco, séc. XVII