“...Dize, dize ! Vaes para a guerra monta em mim, vou-te levar: não há
cavalo na terra
que tenha tão bom andar...” A. Nobre
que tenha tão bom andar...” A. Nobre
Poucos dias depois da operação de Tartibo, fui visitar os trabalhos em
Nangade.
Tartibo, pequeno estacionamento militar no alto das margens do Rovuma, fôra
a minha última missão. Cada vez que chegava a época das chuvas a companhia que
estava estacionada lá em baixo a pouca distância das margens do rio, era
literalmente submergida pela enorme cheia, obrigada a dormir no alto das
árvores e a passar as rações de combate por um sistema de cordas. Era,
compreende-se, uma situação insustentável e a exigir uma nova localização e um
outro estacionamento para a desgraçada companhia que lá ia ficar.Foi o que fez o meu pelotão.
Ainda me lembro da minha ânsia em me refrescar quando chegámos ao Rovuma, depois de um penoso, poeirento e matagalento percurso desde Mueda. Precipitei-me, todo vestido, botas e tudo, para uma pequena lagoa no meio de descomplexadas gargalhadas dos “ mainatos “. “Porque é que te estás a rir, meu malandro ? “crocodili alferi, crocodili” e riam-se a bandeiras despregadas.
“Ó António” dizia ele para o cozinheiro, com a sua careca vermelha e escorrendo suor “este caril não está suficientemente picante aqui para o nosso alferes...” e olhava para mim sorrindo amigavelmente. E (como posso esquecer?) aquela visita que um dia recebi de outro oficial superior de outra arma vindo de Nampula, que não percebia nada de nada e, ainda menos, as minhas reservas quanto à utilização da pista, por nós recém-construída, para aviões Noratlas. “Compactação? Compactação? Que não está em condições? Isto está bom, isto está bom”, exclamava ele convicto depois de bater com a bota no chão, como se aquele bater de bota fosse equivalente ao impacto de uma aterragem de mais de 15 toneladas...
Foi, pois, com prazer que um dia voltei a levantar vôo de Mueda em direcção a Nangade.
Ia com o meu amigo de infância André, piloto da força aérea e que, depois de tantos perigos
e missões arriscadas na fronteira Norte de Moçambique, morreu tragicamente num naufrágio
aqui, perto de Peniche. “Olha” disse-me ele “hoje não vens ao meu lado. Isto está a abarrotar
com tudo e mais alguma coisa. Vais atrás de mim, ali em cima dos sacos de batatas”.
“Está bem”.
E a DO levantou, mas não como era hábito, levantou em parafuso, na
vertical. “Recebemos informações. Isto hoje não está bom, os gajos estão lá em
baixo e mais vale nós irmos alto, muito alto”. “Está bem” e olhava lá para
baixo para Mueda que, felizmente, se afastava cada vez mais. Ficava tudo o que
eu conhecia estranhamente pequeníssimo. Era uma sensação algo desagradável,
nada que se parecesse com os enebriantes vôos que tinha feito de heli escoltado
por dois T6, quase lado a lado e a rasar a copa das árvores. E subimos, subimos
na vertical até o André achar que já era seguro e, depois, rumo a Norte.
Chegámos áquilo que para mim era um oásis.“Os gajos estavam lá” disse-me ele inspeccionando a fuselagem e ao meu olhar interrogativo respondeu apontando para um buraco de bala na barriga do nosso aviãozito. “Cá está” e riu-se. Eu menos, era mesmo por de baixo do saco de batatas onde eu viera sentado.
”Ó António, hoje o caril tem que estar muito picante... ver se animamos aqui o nosso alferes”, exclamou o "meu" comandante quando soube da ocorrência.
Pois.
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