“A questão da existência de irmãos de Jesus é um problema
para o dogma católico, não é um problema histórico.”
Consoante se adere ou não ao dogma da virgindade de Maria, assim é
ou não pertinente a questão de saber se Jesus teve irmãos e irmãs. A Santa
Família é um ícone caro ao catolicismo que deixou sempre de lado aquela
questão, obviamente embaraçosa.
No entanto, a questão dos laços de sangue nunca colocou qualquer problema
teológico aos discípulos de Jesus, aos seus sucessores ou aos primeiros
cristãos e isto até meados do séc. IV quando a polémica se levantou entre os
doutores da Igreja e se arrasta até aos dias de hoje.
Não são apenas os Evangelhos apócrifos que referem os irmãos e irmãs de
Jesus, são também os canónicos e os Actos dos Apóstolos que o afirmam. Nestes,
embora as irmãs fiquem no anonimato, os irmãos têm nome. O que é surpreendente
não é o facto de Jesus ter tido irmãos, mas sim que os Evangelhos não procurem
escondê-lo e que o papel desses irmãos tenha sido menor e pouco lisonjeiro: alinham,
sem qualquer espírito de família, com os adversários de Jesus e, contrariamente
aos discípulos, manifestam indiferença e hostilidade.
“É louco“ (Mc. III, 21), “não acreditavam nele“ (João VII, 5). A sua mãe, irmãos e irmãs declaram que perdeu
o juízo e tentam prendê-lo (Marco III, 21).
A concepção “miraculosa” de Jesus constituirá ao longo dos séculos uma
parte essencial da doutrina oficial da Igreja católica. No concílio de Éfeso,
em 431, Maria será designada como Mãe de Deus, consolidando-se progressivamente
a crença de que foi preservada desde o seu nascimento do pecado original, o que
acabará por ser o dogma da Imaculada Conceição proclamado apenas em meados do
séc. XIX pelo papa Pio IX (Bula
"Ineffabilis Deus").
Jesus não era da família de David (outra das imposições das Escrituras para
o messias) e nasceu do povo, de família muito humilde e numerosa? Ou, pelo
contrário, descendia de David como é referido nos evangelhos
sinópticos (por ser filho de José) e no Corão (por ser filho de Maria)?
Igreja de Chora, Istambul.
Ascendência de Jesus desde Adão.
Basílica de St. Denis, Paris.
Ascendência de Jesus desde Jesse.
Jesus (alteração de Yeshua e Isa em árabe) era o filho mais velho de Maria (Lucas II, 7), tinha
irmãs que viviam em Nazaré
(Marco VI, 3, Mateus XIII, 56) e irmãos dos quais quatro são nomeados nos Evangelho de Marcos (VI, 3) e de Mateus
(XII, 55): Tiago, José, Judas e Simão. Os irmãos de Jesus são objecto de
referência explícita em documentos do Novo Testamento. Para além dos Evangelhos
(Marco III, 31; Mateus XII, 46, Lucas VIII, 19; João VII, 3) são referidos nas Epístolas de
Paulo (Gálatas I, 19; Coríntios IX, 5): “Depois, passados três anos, fui a Jerusalém para ver a Pedro, e fiquei com
ele quinze dias. E não vi a nenhum outro dos apóstolos, senão a Tiago, irmão do
Senhor” e nos Actos dos Apóstolos (I,
14).
O apóstolo Pedro
Tiago, "O Justo"
Pode imaginar-se o círculo íntimo ou próximo de
Jesus (se se ultrapassar a questão de saber até que ponto e em que medida uma
família judia podia, no 1º século, conhecer com precisão a sua genealogia após
a destruição dos arquivos por Herodes).
O seu pai José (João I, 45; VI, 42) morreu antes que Jesus tivesse
qualquer actividade pública (dos seus 28 aos seus 30 anos) e teria tido sete
filhos de Maria (ou também de Escha – prima de Joâo Baptista - e de Salomé?) (Augsburg Fortress 1995 ed.
“Evangelical Lutheran Church in America”; "From Jesus to Christ: Jesus'
Family Tree"):
Segundo esta interpretação protestante baseada em referências do Novo Testamento e dos antigos historiadores Josephus e Eusebius (Jesus and His World de John J Rousseau e Rami Arav, Augsberg Fortress 1995) - a qual, embora interessante, deve ser encarada com reserva -, Maria e José tiveram após
Jesus mais filhos e filhas nascidos, pelo menos, durante um período de 12 anos
após o nascimento de Jesus.
Jesus, Tiago (“O Justo, ”futuro
bispo de Jerusalém e “pilar da Igreja“ segundo Paulo - Gál.II, 9), Judas
e José e duas filhas Lysia e Lídia (ou Salomé e Ana?). Há outro Tiago, Tiago “o Maior” que se julga
estar sepultado em Compostela.
Em conformidade com o direito judeu do
“levirate“, o seu irmão mais novo Cleofas sucedeu-lhe como chefe da família
casando com a sua viúva (Maria ou Salomé?) e tendo dela Simão (por esta
circunstância irmão e primo de Jesus). Os filhos de José e de Cleofas exigiriam
para uma cabal identificação uma referência ás mães, mas, na tradição judaica,
o filho é identificado com referência ao nome do pai e nunca ao da mãe o que
torna de certo modo surpreendente que Jesus fosse conhecido como “filho de
Maria“ (Mc. VI, 3).
O relacionamento de Jesus com a sua mãe é, de
acordo com as escrituras, de uma brutalidade que não pode deixar de espantar.
Quando a ela se refere é sempre de modo negativo e hostil: “Quem são minha mãe
e meus irmãos?” (Mc. III, 6). No caminho para Jerusalém, Jesus cruza-se com uma
mulher que louva a sua mãe: “Bem-aventurado o ventre que te trouxe (…) mas Ele
disse: antes bem-aventurados os que ouvem a palavra de Deus...” (Lc. XI, 27, 28).
Quando a ela se dirige, Jesus trata-a asperamente. Nunca a chama “mãe” mas
sempre “mulher“, como se tratasse de uma escrava ou de uma criada: “Mulher que
tenho eu contigo?...” (João II, 3).
Maria tinha, eventualmente entre outras, duas
irmãs, uma também chamada Maria, mulher de Alfeu, e outra Salomé, mulher de
Zebedeu (Marco XV, 40; Mateus XXVII, 56; João XIX, 25). Estas irmãs eram mães
de discípulos de Jesus: Tiago “o pequeno“ e Tadeu (ou Judas) filhos de Maria; Tiago
e João (o discípulo “favorito“?) filhos de Salomé.
Estes primos tomaram o nome de “irmãos do
Senhor“, acompanharam-no sempre e foram os seus primeiros discípulos.
O
mundo de hoje e de ontem não seriam o que são e o que foram sem Jesus, o qual,
no que se refere á influência de uma personalidade e doutrina, é uma figura
ímpar na História da Humanidade.
A questão apresenta uma desconfortável dualidade:
coloca-se simultaneamente nos terrenos da História e da Fé, o que torna
particularmente delicada qualquer conclusão, ou mesmo qualquer simples
comentário ou interrogação, porque quem a eles se atreve corre o risco de
desagradar ao historiador ou de ofender o crente ou de merecer o desprezo de
ambos.
Lembra-se,
a propósito, Lucas (II, 34):
“...Ele será um sinal de contradição...”.