(Corja, do malaio korchchu, que se
refere apenas a um conjunto de vinte. Cáfila, conjunto de pessoas de má índole,
conjunto de camelos.).
Apetece fugir, deixar de vez esta pátria que mais ninguém sabe reconhecer,
gramatical, cívica e humanamente. Para poder partir teria de meter no bornal o
Marão, o Douro, o Mondego, a luz de Coimbra, a biblioteca e as vogais da
língua. (Miguel Torga).
“É fartar vilanagem”, gritou António Vaz de Almada, conde de Avranches
apoiante do infante regente D. Pedro, na altura da sua morte na batalha de
Alfarrobeira em Maio de 1449.
“É fartar vilanagem” deveriam exclamar diariamente os cidadãos deste
desgraçado país. A incompetência, a corrupção, a mentira, o nepotismo, saem do
esgoto e inundam-nos, com a complacência da corja. Nenhuma organização política
com um horizonte de poder, mesmo que ténue, escapa.
É vê-los justificar o injustificável, desdizer o que foi prometido,
explicar a nós, pobres ignorantes, que está certo o que é ou era errado, tudo
com a sobranceria própria dos que sendo fortes são imbecis para com os que
tendo razão são fracos e, sobretudo, impotentes.
É lê-los nos jornais e livros, ouvi-los nas rádios e vê-los nas televisões.
Vê-los, sem que tenham a vergonha de tapar a cara, ali com o desplante que
confere a certeza da impunidade.
Por mim, rasgo, desligo, fecho e se não fosse coisa que desse trabalho e
incómodos, procurava essa canalha e dava-lhe umas bengaladas. Umas bengaladas,
como os camponeses costumam dar às bestas.
Mas sou apenas um dos muitos portugueses sujeitos à prepotência da corja.
Da corja que é acompanhada e bajulada por uma cáfila própria dela que, em
geral, protesta e barafusta quando os seus sagrados “direitos adquiridos” são
ameaçados ou beliscados.
Direitos? Muito claros. Deveres? O que é isso?
E a cáfila desinforma com uma arrepiante iliteracia, deseduca pela
ignorância e pelo exemplo, legisla no completo desconhecimento da realidade e
com a preocupação de deixar marca histórica, trata as contas do Estado com
precisão imbecil, erra cálculos e construções, engana o consumidor, atende por
favor os contribuintes.
Tudo impunemente ou a esclarecer oportunamente por uma comissão de
inquérito.
Há excepções? Claro que sim de acordo com as leis da natureza. Segundo uma
delas, das mais importantes, a desorganização de um sistema isolado, medida por
uma denominada entropia, a qual, aumentando por definição ilimitadamente,
traduz a morte do sistema a partir de um determinado valor.
Esta lei aplica-se ao dia-a-dia: em termos simples, quando, pelo abandono,
a entropia de uma coisa aumenta descontroladamente, o resultado é a destruição
dessa coisa.
Um governo incompetente, uma educação descuidada, são como o sol num pedaço
de gelo ou como o abandono de uma casa ou de um campo ou como a ignorância de
uma doença. É essa destruição que ocorre hoje em dia na sociedade portuguesa. O
espectáculo não é pequeno.
Assiste-se à destruição da honestidade, da responsabilidade, da autoridade,
do respeito, do trabalho, da competência, da justiça, da cortesia, da
dedicação, da noção do dever, do esforço, da gratidão, do brio, enfim, dos
valores.
Será que os que receberam em herança princípios e valores os transmitem e
os preservam do aniquilamento ou de vergonhosas alterações? Que pais,
professores, chefes, governantes, respondam honestamente. A resposta é: não.
Portugal está mal. Portugal, “país de povo indisciplinado e governos incompetentes”
e que “tem um povo que não se governa e não se deixa governar”, está mal.
É a primeira vez? Não, Portugal atravessou momentos difíceis, de natureza
política ou económica, e conseguiu sempre ultrapassá-los. Com Afonso Henriques,
Afonso III, João I, João II, João IV, João VI, Salazar, o MFA. O povo, ou quem
por ele agiu, resolveu sempre, melhor ou pior, os males do país.
E hoje? Hoje, o dia-a-dia oferece-nos exemplos de aldrabice, corrupção,
nepotismo, imbecilidade ou bacoca cultura, irresponsabilidade, ignorância,
incompetência, mentira, prepotência, vaidade. Tudo em adoração aos bezerros que
não são só de hoje: o dinheiro, o poder.
Os famosos “Três Dês “dos cravos, passados quase 40 anos, não foram
alcançados.
Democracia? Qual? A “alargada”, a “participada”, a “social “, a “avançada”,
a “etecetera-e-tal “? Quando algo necessita de qualificativo é porque por si só
está no meio da bruma da interrogação. É como ela está.
Desenvolvimento? Os peritos afirmam, com todas as letras e números, que
Portugal está longe da situação e do desempenho dos seus parceiros europeus.
Descolonização? Feita. Total e rápida. Três guerras civis que duraram mais
de 20 anos, mortos e estropiados em quantidade própria do horror,
infra-estruturas vitais destruídas, dezenas de anos de retrocesso, uma minoria
no poder que se banha na riqueza ao lado de populações na miséria.
Os odiosos “Três Efes“, qualificados nos ditos tempos da obscuridade como “o
ópio do povo”, como vão eles? Prósperos, melhores do que nunca.
Fátima, que se respeita por ser crença, é hoje uma Sodoma comercial com
ostensiva construção, incentivada pelos poderes do estado democrático, que nela
vê fonte de receita e instrumento de promoção não só turística mas, sobretudo,
de sinalização nacional: atenção, existimos, estamos aqui, nós a fidelíssima,
nós a exemplar nação multi-religiosa, multicultural, multi etecetera-e-tal.
O fado (recentemente promovido a património da Humanidade) tem o seu
expoente máximo (que tinha que se ouvir envergonhadamente e nunca aplaudir na
presença de “antifascistas“) condecorado e a sua sepultura transladada para o
Panteão Nacional (o nosso rei Sancho II continua perdido em Espanha, julga-se
que na catedral de Toledo).
O futebol é exemplo de uma obscena promiscuidade entre os seus dirigentes e
os responsáveis do Estado, desde juízes até presidentes de autarquias, passando
por altos responsáveis partidários. Os seus agentes, em geral, não têm,
princípios e são exemplos de grosseria e de ausência total dos mais elementares
princípios da ética, disputam, com naturalidade e de igual para igual, o
território próprio de ministros e passeiam-se com a altivez e o à vontade de
presidentes. A impunidade é total e o futebol também ele é condecorado com o
fundamento de divulgar no mundo a imagem de Portugal e de o promover a
“potência” europeia.
Fátima, Fado e Futebol eram no tempo da ditadura o “ópio do povo E hoje o
que são? Bálsamos democráticos? Patético.
A corja e a sua cáfila destroem diariamente a estrutura desta nossa
sociedade que foi construída com luta e sangue.
A velha árvore de ramos rudes mas ordenados pela hierarquia da idade,
competência e responsabilidade foi cortada com selvagem e alegre imbecilidade
pela vilanagem e é hoje uma coisa de amalgamadas e “democráticas”
excrescências. Nelas se sentam as cáfilas velha e nova, onde mais lhes convém,
onde bem lhes apetece, com a benevolente aquiescência da corja mandante.
Pais e filhos? Professores e alunos? Subordinados e chefes? Para quê
distinções? Tudo iguais, tudo “amigos”, tudo ao molhe.
Na religião, o Mal é o Diabo. Neste pobre Portugal, é a Corja e o seu
séquito, a Cáfila.