segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

Os "amarelentos" em Portugal


O actual sistema politico tem-se revelado como a maior barreira à resolução dos problemas que afligem os cidadãos. Na justiça, na saúde, na economia, na educação, para só citar quatro importantes sectores.
Especialistas em ciência política, comentadores e analistas políticos parecem insinuar que os problemas que diariamente afectam o cidadão são inevitáveis por resultarem do enfraquecimento das instituições ou da incoerência partidária, para não falar da corrupção e dos interesses instalados. 
                              
No entanto, a política é hoje em dia uma indústria com os objectivos e os interesses de qualquer outra indústria, nomeadamente a concorrência e a procura de benefícios próprios. A política deixou de ser organizada para a defesa do interesse público e tende a beneficiar interesses privados que passaram a ser seus aliados e temíveis inimigos.
Pense-se nos resultados das privatizações e na promiscuidade entre as grandes empresas privadas e os cargos do Estado, a que nem sequer escapam membros do governo e deputados.
                            
Os partidos, muito em particular o PS e o PSD, concorrem na divisão do eleitorado e na satisfação de interesses alheios, com base numa ideologia por vezes incoerente e em promessas irrealistas que não tencionam cumprir.
Ano após ano os interesses do cidadão saem frustrados e os principais actores do sistema político mantêm-se, na prática, em lugares que o próprio sistema fiscaliza ou passam a desempenhar altos cargos em empresas que, inclusivamente, tutelaram. Não há vergonha.
Os cidadãos-votantes esperam soluções para os problemas que os afligem. Soluções definidas pelos agentes do sistema político que eles próprios escolheram; soluções viradas para a realidade e não para uma qualquer ideologia; soluções que resultem da avaliação e de um equilíbrio de posições diferentes e eventualmente conflituantes. Tudo isto exige compromisso e concessão e embora a importância da solução possa ser politicamente óbvia ela é raramente implementada quando entra em conflito com interesses partidários ou económicos.
                    
Esta realidade não é só a de Portugal, afecta outros países europeus como, por exemplo a Itália, a Espanha, a França. O que fazer? Protestar com violência e à beira de uma revolução política? Talvez. É o caminho que os coletes amarelos parece terem escolhido em França mau grado a constante ameaça do terrorismo. Após Estrasburgo ficou quase tudo na mesma nas ruas de Paris e de outras grandes cidades francesas. 
E por cá? Somos um povo de brandos costumes, dizem. Não foi o que se verificou após a invasão francesa com a fratricida luta entre D. Miguel I e D. Pedro IV e a guerra civil que a acompanhou. O início do século XX, em particular o período da revolução republicana, ficou marcado por assassinatos políticos  e no passado dia 14 de Dezembro comemorou-se o centenário do assassinato do “Presidente-Rei” Sidónio Pais. A revolução do 25 de Abril teve episódios violentos e esteve-se à beira de uma guerra civil. Onde estão no passado recente os “brandos costumes”?
             
Estão marcadas (publicitadas nas redes sociais, provavelmente pela extrema direita) para o próximo dia 21 (data muito conveniente) manifestações de “coletes amarelos” portugueses, em relação às quais os partidos da esquerda (BE e PCP) se demarcaram imediatamente, e 20.000 polícias já foram colocados em estado de alerta com folgas e créditos horários suspensos. 

O movimento, que se estima ir afectar 17 cidades, ameaça com o corte dos acessos à Ponte 25 de Abril, acusa "os sucessivos governos incompetentes" de terem destruído os sectores primário e secundário e apresenta um extenso “caderno reivindicativo” com exigências de implementação “imediata”.

Delas, destacam-se o fim dos impostos sobre os produtos petrolíferos, o corte para metade do IVA sobre os combustíveis e gás natural, a redução das taxas sobre a electricidade, a concessão de incentivos para as micro e pequenas empresas com a correspondente taxação das grandes empresas, o aumento do salário mínimo nacional, o aumento do subsídio de desemprego, o fim das subvenções vitalícias para políticos, o combate contra a corrupção no Governo, na Administração Pública, nos serviços públicos e nos sectores empresarial e bancário, a redução do número de deputados na Assembleia da República.

Quem é que não concorda?
 

A mancha de insatisfação alastrou-se a Portugal. Será que tem significado? Será que terá consequências? Ver-se-á, mas que o sistema político não está ao serviço dos cidadãos não está. 
 (...ético, honesto e que coloque o interesse público acima dos seus próprios interesses"...)
                            

segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

Os selvagens amarelos



Assisti ontem ao que aconteceu (e continuará a acontecer) em Paris.
Tudo começou com o aumento do preço dos combustíveis e rapidamente estendeu-se à questão do custo de vida (dizem que de 100 euros ganhos por um trabalhador 48 vão para o estado). 
A maioria dos manifestantes são homens dos 30 aos 40 anos no meio dos quais se infiltraram jovens marginais dos subúrbios, vestidos de negro, encapuzados com capacetes, óculos, luvas reforçadas e botas de trabalho. Alguns armados com bastões ou barras de ferro. Estão lá à procura de uma "oportunidade".
Contrariamente ao que é hábito, o início do protesto não teve início em sindicatos ou partidos políticos mas sim num escrito numa rede social.
Claro que depois as coisas mudaram. Hoje há um claro apoio à manifestação por parte das extremas direita (Marie Le Pen à cabeça) e esquerda, da oposição ao governo de Macron e, de acordo com sondagens, tem a compreensão de 85% da população.
Exige-se agora a dissolução do parlamento e a convocação de eleições legislativas. 
Vi a bandeira francesa ao lado de carros queimados, vitrines partidas, sendo os alvos preferenciais os símbolos da riqueza: bancos, máquinas multibanco, vitrines de lojas de produtos de luxo. Uma destruição própria de revoltados e de selvagens.
Um cenário de guerra e é de admirar que haja responsáveis partidários que a ignorem ou que a aproveitem para fins políticos. 
O povo francês foi sempre assim e tem com a violência uma afinidade quase patológica.
Lembre-se do “regime do terror” (era assim denominado) do século XVIII que cortou, entre muitas outras,  as cabeças do rei e da raínha. Proclamou a república e promoveu a guerra com os países mais poderosos da Europa. Por outro lado, assim nasceram a declaração universal dos direitos do homem, o sistema decimal e, talvez, os EUA. Durante quase 30 anos houve muito sangue e mortandade.
Com natureza muito diferente, esta selvajaria dos coletes amarelos traz à memória os acontecimentos de Maio de 68. Iniciaram-se com protestos estudantis, alastraram-se, rapidamente aos trabalhadores e o movimento mobilizou mais de 10 milhões de manifestantes.
Foi a maior greve geral da Europa e contou com o apoio dos sindicatos e do Partido Comunista francês. 
A França esteve à beira da guerra civil e o general de Gaulle refugiou-se numa base militar na Alemanha onde, dizem, falou com o influente general Massu garantindo, caso necessário, o apoio do exército. Regressou a Paris, dissolveu o parlamento e convocou eleições gerais. Os tumultos cessaram e após as eleições o partido gaulista tornou-se paradoxalmente o mais importante partido político francês.
Não é só o governo de Macron que está em jogo é a Europa com o surgimento, por vezes violento, do populismo. Veja-se o que se passa na Suécia, na Holanda, na Hungria, na Itália, na Austria com o crescimento dos partidos de extrema direita.
Os “amarelos” acontecimentos não pararam e já foram convocadas mais manifestações tendo sido marcada a próxima em Paris para o próximo Sábado.
Como será o futuro da França e da União Europeia, não esquecendo o Brexit e a mudança de poder na Alemanha? Preocupante.