terça-feira, 26 de novembro de 2013

As pérolas de uma besta




...Sinto um enorme prazer com os pobres de espírito : aceleram o sono. São bem-aventurados, sobretudo quando se lhes dá sempre razão… (Nietzche).

Tive conhecimento das declarações de um preclaro economista da nossa praça de seu nome João Luís César das Neves.
Tem 56 anos, idade para já ter o juízo que não revelou nas suas declarações.
Tem um curriculum impressionante:
Professor Catedrático da Faculdade de Ciências Económicas e Empresariais da Universidade Católica e detentor de graus menores, como o de mestre em várias coisas. Está muito bem neste país de doutores.
Escreveu mais de 30 livros e uma quantidade enorme de artigos científicos, o que não quer dizer nada porque, por um lado não é romancista e por outro a competitividade no meio universitário é enorme no que se refere ao número de “papers” publicados. Quantos mais se publicam melhor se é. Sei do que falo.
Foi assessor de Cavaco entre 1991 e 1995, contribuindo, portanto, para a
destruição do aparelho produtivo, nomeadamente a indústria, as pescas e a agricultura. Tinha 34 anos.
Foi assessor de Beleza com 32 anos, em 1990.
(E falam hoje da juventude e inexperiência dos assessores dos que nos governam. É preciso lata.).
Identificada a personagem, medite-se agora nas pérolas que botou, salvo erro em 17 de Novembro, na sua entrevista ao Diário de Notícias. 
- “A maior parte dos pensionistas estão a fingir que são pobres”.
Mais de 85% das pensões pagas em Portugal são inferiores a 500 Euros por mês. 
- “Subir o salário mínimo é estragar a vida aos pobres”.
Não comento por eventual errada experiência da vida ou porque não tenho os conhecimentos especializados e o brilhantismo intelectual da personagem. 
- “Obrigar os empregadores a pagar um salário maior estraga a vida aos desempregados não qualificados”.
É um imbecil absurdo. 
- “Ainda não se pediram sacrifícios aos Portugueses”.
A nossa realidade é a seguinte:
a) Um milhão de desempregados;
b) Mais de 10 mil portugueses partem todos os meses para o estrangeiro;
c) A falência das empresas pode traduzir-se assim: desde a chegada da Troika
faliram 13.843 empresas e de Janeiro a Junho de 2013 o ritmo de falências
rondou 500 por mês;
d) Casas são entregues aos bancos todos os dias e alguns pensionistas têm as suas reformas penhoradas por serem fiadores de filhos e de netos.
Isto são alguns factos, entre outros, que não se devem confundir com
sacrifícios segundo a besta económica. 
Ele é certamente consultor de bancos e/ou de grandes empresas de modo a
compensar os sacrifícios sofridos nas suas funções de professor e de técnico superior do Banco de Portugal.
Por aqui me fico para não entrar num merecedor e justificado insulto no qual figurariam entre outras a imbecilidade e a falta de vergonha.
Para um mais completo juízo consultar: 

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

CR 7, a austeridade e o campeonato do mundo de futebol



Portugal derrotou a Suécia e classificou-se para o campeonato do mundo no Brasil.
Por cá foi uma explosiva alegria, por lá foram protestos contra os milhares de reais gastos num país em que verbas essenciais aos serviços de saúde e de educação não são disponibilizadas pelo governo federal e a cidade de Santos revoltou-se com inhabitual violência contra o aumento dos custos nos transportes públicos.
Por cá era vê-los e ouvi-los, desde o cidadão anónimo aos profissionais e comentadores desportivos. Portugal, pindérico e de mão estendida ao FMI e ao BCE, passou a ser uma potência mundial, orgulhosa e sorridentemente afirmada.
Outra tristeza que me lembra tempos passados em que os democratas de hoje acusavam o governo de fornecer ao povo “ópio” para que ele se esquecesse da falta de liberdade, do analfabetismo, da mortalidade infantil, da pobreza, eteceteraetal. Enfim.
Temos pois remédio comprovado e alternativo às medidas aconselhadas por comentadores políticos de todos os quadrantes. Em vez de comunicação e explicação das medidas de austeridade, os Srs. Maduro ou Marques Guedes poderão prescindir das suas conferências, diárias ou semanais ou mensais ou trimestrais, vá lá saber-se. Eles, ou outros, que ponham em nome do governo toneladas de açúcar na amargura desta austeridade que está a matar Portugal.
Os sindicatos e confederações patronais que parem com essa ineficaz e irritante reivindicação de reuniões de concertação social. Qual concertação qual quê, uns bons quilos de “açúcar” e as discordâncias laborais desaparecem como por magia. Com o “açúcar” do triunfante futebol, as questões arredondam-se, tornam-se em golos, foras-de-jogo, êrros de arbitragem.
Qual Passos Coelho, Seguro ou Cavaco! Quais greves, congressos de esquerda!
Qual Tribunal Constitucional!
Quais quês.
Que o “El Comandante” tome as rédeas do jogo.
CR7 ao poder, já.

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Muene Puto



“Nós ficaremos aqui, me disse a orgulhosa Ambuela (...) e só te digo, branco, que se tu és secúlo do Muene Puto eu sou filha do sova”.

(do Atlântico ao mar Índico - Serpa Pinto)


“Baixa a tola caloiro” e eu, com dez anos, o puto, baixava e levava um caldo. Dois anos depois, eu, um puto, era autorizado a participar na cerimónia com os novos caloiros, também putos. Passava-se no Liceu Normal de Pedro Nunes em Lisboa.
E durante alguns anos fiz parte desses “...bandos de pardais à solta; os putos, os putos; são como índios, capitães da malta; os putos, os putos “.
Mais tarde, muito mais, tinha eu barba cerrada preta, no mato de terras de África, alferes em guerra, ansiava pela minha viagem ao “puto” como o meu mainato chamava a Portugal continental.
Nunca a palavra “puto” teve para mim outro significado que não fosse coisa pequena ou, mais propriamente, “menino, garoto, miúdo pequeno...”. Até que a ânsia de saber e de saber cada vez mais em cada vez mais coisas me marcou novo encontro com a palavra “Muene Puto”.
O acumular do saber é, para mim, fonte de enorme prazer seja qual for o domínio. Que maravilha é o saber e que tristeza é para mim a perda de memória. Nunca morrer? Sim se. Se for para saber mais e mais de mais e mais coisas, das mais pequenas às maiores, das mais insignificantes às mais importantes e mesmo que a morte fosse no infinito do tempo nunca eu conseguiria saber tudo o que gostaria de saber.
Pela Conferência de Berlim (1884-1885) as potências europeias dividiram entre si África pintando o seu mapa com várias cores: rosa para Portugal (de Angola a Moçambique); encarnado para a Inglaterra (do Cairo ao Cabo), azul para a França (do Niger ao Mar Vermelho). Posteriormente, a Itália apoderar-se-ia do norte de África e da Etiópia e a Alemanha dos Camarões, do Togo, da Namíbia e da Tanzânia.
A Conferência catalizou as expedições de H. Capelo, R. Ivens, Serpa Pinto e Henrique de Carvalho, mas antes dela , de 1798 a 1879, já os portugueses exploravam o interior de Angola e o de Moçambique sendo os primeiros “muzungos” (como eram designados os brancos pelos povos do litoral atlântico) a contactar com os reis e imperadores do interior, a mando do nunca visto, muito imaginado, muito poderoso e muito rico rei de Portugal. Como exemplo desse pioneirismo, é interessante referir que pouco antes de 1853, data da morte da raínha D. Maria II, o rei Musiri do Garanganja (região próxima do actual Katanga) escreveu a Capelo (Sr. Branco Manjor) assinando no fim como “Muxiré Maria Segunda”.  
(...) que o que procura esteja sempre em busca até que encontre (...) não existe nada de escondido que não se revele ( ..) procurem e encontrarão (...).
 
Foi no meio da minha habitual pilha de livros para ler que escolhi
“Exploradores Portugueses e Reis Africanos” de Frederico Delgado Rosa e Filipe Verde. O livro recupera os relatos dos exploradores portugueses,
nomeadamente de Silva Porto, Hermenegildo Capelo, Roberto Ivens, Serpa Pinto e Henrique de Carvalho, focando, comentando e enquadrando temas e situações. Lá aparece a explicação de “Muene Puto”.
Em várias línguas de Angola Muene Puto designava o "senhor branco" ou o rei de Portugal e por extensão o próprio país ou as autoridades locais. Mas, literalmente, “Muene Puto” significa “Senhor dos Mortos” e esta designação resultou do comércio de escravos entre Portugal e os potentados africanos. Os escravos eram por estes vendidos aos muzungos e como nunca mais eram vistos era crença que chegados ao seu destino eram mortos.
O Muatiânvua Quinaueti, senhor da Lunda, disse ao morrer ao seu povo: “...Eu não morro, transformo-me em morto para ir visitar o Mueno Puto...”.
      

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Eternidade

“...que nenhum de todos... se perca...”
Lembro-me de um céu ameaçador no fim de uma tarde de Inverno. Lembro-me de nuvens mascaradas sob estranhas e fantasiosas formas, cavalgando
atabalhoadamente o céu, fugindo tão depressa quanto podiam. Lembro-me do vento que as enxotava arrogante, com a impunidade que a força dá. E elas, coitadas, corriam. 
Pobres é o que todos somos mesmo os poderosos, cães que ladram e uivam
como o vento, merdosos e arrogantes com os fracos, medrosos e cautelosos
com os mais fortes.
A trovoada aproximava-se e o vento soprava anunciando a chegada da força
que lá de cima cai, racha e queima a terra para a qual voltaremos todos.
Todos: fortes, fracos, medrosos e merdosos.
Lembro-me dos ramos dos pinheiros que se agitavam inquietos num
gesticulado discurso e que pareciam assinalar uma misteriosa presença.
De repente, a chuva tombou torrencial e no furioso assobio do vento pareceu-me ouvir uma mistura de confusas vozes: “...nós as nuvens, nós o vento, nós as ervas, nós as árvores, nós a chuva, nós as pedras...”. Lembro-me de então ter pensado estar a ouvir o grito da eternidade, da eternidade em que creio.
Acredito na metamorfose pelos átomos que hoje estão em mim e amanhã
numa erva, numa árvore, num riacho, numa nuvem, na chuva, numa abelha,
numa águia, em todas as parcelas deste maravilhoso mundo no qual me
confundirei no tempo, em todo o tempo.
Também acredito que o meu princípio e fim estão nos meus, na árvore da minha vida. Acredito que sou a eternidade dos meus que cá estiveram antes de mim e que ficarei para a eternidade nos meus que depois de mim vierem.
Não, não acredito na ressurreição da carne e na louca e terrível imagem de milhões de esqueletos saltando das campas ao som de celestiais trombetas, aguardando a chamada de um severo, implacável e supremo juíz.
Acredito na pacífica vida eterna, pela contínua transformação e mudança que é a corrente da existência de que faço parte para sempre, para todo o sempre. 
Sim acredito em ti Eternidade, eu na natureza, eu pelos meus e nos meus, para sempre.