terça-feira, 26 de abril de 2016

Estandartes e bandeiras nacionais

Portugal uma das nações com as mais antigas fronteiras da Europa (séc. XIII), país de poetas, marinheiros e soldados, país de gente acolhedora. Portugal, cuja língua e presença se espalhou pelas quatro partes do mundo, quase todo ele uma incógnita com o temeroso mar como barreira, teve ao longo da sua longa e gloriosa história quatro tipos de bandeiras ou estandartes reais. Simbolizam três dinastias (a Afonsina, a de Aviz e a de Bragança) e dois regimes (a monarquia por mais de oitocentos anos - séculos XI a XX - e a recente República, a partir do passado século XX).
Orgulho de se ser português.
Como apareceram e qual o significado dos castelos nas armas de Portugal? Os escudetes e as 5 chagas de Cristo, os castelos e a conquista do Algarve? Ligações sem qualquer fundamento. 
Os dinheiros (ou besantes) nos escudetes (postos “a direito” pelo Príncipe Perfeito, el rei D. João II) dizem os entendidos que se relacionam  com a importância da personagem a quem o estandarte pertencia: traduzem o valor do seu resgate em caso de captura. Quantos mais dinheiros estão no estandarte, maior é o assumido e proclamado resgate. Nada a ver com a piedosas chagas (escudetes) ou com Judas (dinheiros).
Castelos? Vêm do rei D. Afonso III que, na impossibilidade de ter as armas do seu pai e do seu irmão mais velho, D. Sancho II, colheu-as das da sua segunda mulher princesa castelhana (a primeira, a condessa de Bolonha, abandonou-a).
A mudança da bandeira portuguesa de escudo real em fundo branco para a bandeira bipartida azul e branca resulta da guerra entre os irmãos Miguel (D. Miguel I, o único jurado em cortes) e Pedro (o futuro D. Pedro IV que dos Açores fez a sua base) .
Do século XI ao século XXI, eis os estandartes reais e as bandeiras nacionais:


                                           1096 - 1223
- Conde D. Henrique: trata-se de um escudo, de um brazão, não havendo notícia de ter tido uso como bandeira até D. João I.
- D. Afonso Henriques: no seu escudo figuram , dispostos nos braços da cruz azul e no seu centro, grupos de 11 besantes ou dinheiros. Estes símbolos eram utilizados como símbolo de resgate para libertação ou do poder de cunhar moeda (caso de D. Afonso Henriques, Ibn Erik - filho de Henrique, como era conhecido pelos invasores árabes - que nunca foi resgatado).
- D. Sancho I a D. Afonso II: o escudo apresenta 5 quinas que dizem representar as chagas de Jesus Cristo. Cada quina tem 11 besantes (e não 5) os quais não representam os 30 dinheiros (5 x 6 quinas pela duplicação da central) da traição de Judas. Esta hipótese é uma fantasia.


                                             1279 - 1495
- D. Afonso III a D. Fernando: introduzido no escudo uma borda vermelha acastanhada por  influência das cores castelhanas no casamento de D. Afonso III (que não podia usar o escudo do seu pai D.Afonso II por não ser o filho mais velho) com D.Beatriz de Castela. 16 castelos ditos representativos da conquista do Algarve (ideia muito divulgada mas errónea, são muito provavelmente uma referência às armas de Castela: o seu avô era D. Afonso II de Castela, como de Castela eram a sua mãe D. Urraca e a sua mulher D. Beatriz). No seu escudo D. Afonso III usou 16 besantes em cada escudete mas o número de besantes variou até se estabilizar em 5 (as armas do concelho de Silves têm 13 besantes).
- D. João I a D. Afonso V : D. João I introduziu na bordadura as quatro pontas da cruz de Aviz e os castelos são em número variável mas geralmente 9.  Em cada escudete os besantes são reduzidos a 7. (Primeiro brazão a ser usado como bandeira).
- D. João II: Os escudetes são endireitados. É retirada a cruz de Aviz. O número de castelos é de 7.


                                            1521 - 1792
- D. Manuel a D. Maria I: bandeira branca com escudo real ao centro; 5 besantes em cada escudete. Forma da coroa e da ponta do escudo variável em cada reinado.


                                            1816 - 1910
- D. João VI a D. Miguel: D. João VI introduz o brazão com a esfera armilar para simbolizar o reino de Portugal e do Brazil.
- D. Maria II a D. Manuel II: com D. Pedro IV, por decreto da Junta Governativa na Ilha Terceira, o fundo da bandeira passa a ser bipartido azul e branco (é evidente a sua influência na bandeira açoreana).



- Bandeira da República : Decreto de 30 de Junho de 1911 (oficializando a escolha da comissão nomeada para o efeito e presidida por Columbano, João Chagas e Abel Botelho). Com a Implantação da República a bandeira portuguesa passa a ser verde e vermelha (cores do partido republicano e que constitui uma mudança revolucionária ao afastar as cores da fundação do território de Portugal, branca e azul do estandarte do conde D. Henrique), sendo composta por um rectângulo cuja altura é igual a dois terços da largura.
É dividida em duas partes na vertical, sendo a parte que fica junto à haste de cor verde, ocupando dois quintos da superfície, e a outra parte de cor vermelha, ocupando três quintos.
A cor verde representa a esperança em melhores dias de prosperidade e bem-estar; a cor vermelha representa o valor e o sangue derramado nas conquistas, nas descobertas, na defesa e no engrandecimento da Pátria; a esfera armilar situa-se no centro da divisão das duas faixas, simbolizando as viagens dos navegadores portugueses pelo Mundo, nos séculos XV e XVI; as armas de Portugal assentam sobre a esfera armilar, sendo compostas por um escudo maior com outro mais pequeno, o escudo simboliza a arma de defesa utilizada pelos nossos antepassados nos combates. O escudo maior é vermelho com 7 castelos à sua volta e o escudo pequeno branco encerra cinco escudetes azuis pequenos. Cada um dos escudetes contém 5 besantes de prata.
https://pt.wikipedia.org/wiki/Bandeira_de_Portugal
https://pt.wikipedia.org/wiki/Evolu%C3%A7%C3%A3o_da_bandeira_de_Portugal

quarta-feira, 13 de abril de 2016

Lambadas e palmadas


Há tempos, quando ainda ministro da cultura, o Sr. Dr. João Soares publicou na sua página do Facebook (modernices às quais nem o cessante Presidente da República, o Sr. Silva, resistiu) um texto perfeitamente expectável nesta nossa sociedade mal educada.
Nele informou, “ter a sorte” de dar “salutares bofetadas” a dois colunistas muito conhecidos e, julgo, apreciados pela maioria dos leitores dada a acutilância, pertinência e elegância da sua prosa. Até aqui tudo bem, Portugal não é Angola e vive num clima social e político de liberdade de expressão.
Só que o Dr. Soares não era um vulgar cidadão. Era membro do governo e, ainda por cima, responsável pela pasta da cultura a qual, para mim, é indissociável da educação, da boa educação.
Sob uma chuva de críticas, vindas inclusivamente do seu partido, o Dr. Soares limitou-se a esclarecer que é um homem pacífico, que nunca bateu em ninguém e que se porventura assustou pede desculpas. Pensou que a estúpida ironia podia ser inteligente.
Não sei se é um homem pacífico, se é um falhado praticante de artes marciais ou se é parvo. O que sei (e que qualquer um vê) é que tem boas bochechas para estalos e rabo para levar umas palmadas que enquanto menino nunca recebeu.
A questiúncula tem como origem uma demissão legítima e justificada (nem que seja por razões de confiança pessoal ou política) do responsável pela administração do Centro Cultural de Belém, o qual respondeu à demissão não com factos mas como um mártir seguidor de S. Sebastião.
“Quem sai aos seus não é de Genebra”, como risonhamente foi distorcido o adágio popular. Pois não. Quem é que não se lembra da grosseria prepotente do Dr. Soares sénior, ainda no pleno uso das suas faculdades, para com um agente da GNR que se tinha limitado a exercer as suas funções? “Abra-me aqui uma janela...Ó Sr. Guarda desapareça...diga ao seu colega para desaparecer que não queremos polícia”.
https://www.youtube.com/watch?v=3hHwz_vjHRA
Viajava com comitiva num autocarro em direcção ao Porto. O autocarro ia a 199 km/h pela A8 (na qual a velocidade máxima permitida é de 120 km/h) e foi mandado parar por excesso de velocidade. Aconteceu depois do almoço pelas 15h00.
https://www.youtube.com/watch?v=yb0r11jx0aA
Depois do almoço já houve um ministro das obras públicas que dançou

espanholadas e declarou com estranha voz que o sul do Tejo era um

deserto (só faltou exclamar que era habitado por camelos).

Estes factos são chocantes porque testemunham que há quem pense que pode tudo, que existe uma “dinastia” que se permite ser mal educada, grosseira, prepotente e etc. por falta de palmadas em tempo e sítio certos.
Outra notícia muito recente e incomodativa foi o pedido de demissão do Chefe do Estado-maior do Exército, aceite prontamente pelo actual Presidente da República.
Dizem que o pedido de demissão foi resultante da exigência da tutela governamental na demissão do director do Colégio Militar no seguimento das declarações do seu sub-director numa autorizada entrevista ao diário “Observador”.
Este, nessa entrevista, esclareceu que " (…) nas situações de afetos (homosexualidade) obviamente não podemos fazer transferência de escola. Falamos com o encarregado de educação para que percebam que o filho acabou de perder espaço de convivência interna e a partir daí vai ter grandes dificuldades de relacionamento com os pares. Porque é o que se verifica. São excluídos (…)".
Houve caretas de todos os lados, nomeadamente do Primeiro Ministro e da esquerda parlamentar a qual criticou aquelas declarações apontando a sua ilegitimidade constitucional por constituírem uma discriminação por orientação sexual.
Do outro lado, vários oficiais superiores do Exército consideraram a exigência do ministro da defesa e, inclusivamente, a demasiadamente pronta reacção do Presidente da República, como inconstitucional por ser uma ingerência nos assuntos internos das forças armadas.
Essa esquerda solicitou a presença do Sr. General no Parlamento para prestar esclarecimentos o qual, como ex paraquedista que foi, deve ter reagido com uma careta e um encolher de ombros.
Qual a relação entre estes dois acontecimentos? Caras e caretas, umas resultantes de má educação e outras de fundamentalismo ideológico ou de ignorância das exigências próprias de uma instituição militar.
Neste último caso, a questão não é nova e muito menos exclusiva de Portugal. Há relativamente poucos anos, a polémica estalou no interior da poderosa força militar dos EUA envolvendo oficiais da mais alta patente. Após longas e acaloradas discussões, as instituições norte americanas aprovaram disposições legislativas que permitem hoje um relacionamento homosexual nas fileiras militares. A decisão não foi pacífica, nomeadamente nos meios militares.
Um exército não é uma instituição financeira, diplomática ou empresarial e o exercício de funções militares exige comportamentos que não são os da sociedade civil. Alguns lembrarão um dos mais poderosos exércitos da antiguidade, o de Tebas com o seu batalhão sagrado. Os tempos e costumes eram outros e, sobretudo, a verdade histórica esclarece que a razão não era o afecto homosexual mas, sobretudo, a força e eficácia militares com as quais Esparta (batalha de Queroneia, 338 a.C) e, posteriormente, Alexandre o Grande tiveram que confrontar-se.
A situação lembra-me uma história que me garantiram ser verídica sobre um importante governante do passado que ao conhecer certo alto funcionário do Estado interrogou “Ele é assim porque está lá ou está lá porque é assim?
PS: Este escrito para além de violar o “Acordo” Ortográfico não é políticamente correcto.

sábado, 9 de abril de 2016

O pensionista combatente



“...e toda a gente sabe como / alteram todo o sistema do universo, / zangam-nos  contra a vida, / e fazem espirrar até à metafísica. / Tenho o dia perdido cheio de me assoar..”.  F. Pessoa.

Por estas bandas continua quase tudo na mesma com excepção da demissão de João Soares como ministro da cultura e do General Carlos Jerónimo como Chefe do Estado-maior do Exército. Estes dois acontecimentos mereceriam um comentário particular, envolvendo lambadas e palmadas, mas poderia eventualmente exceder-se o politicamente correcto na abordagem de questões sensíveis como a boa educação (que cada vez é menos) e de alegadas descriminações ou violações constitucionais (invocadas sem critério e ignorando importantes diferenças, como, por exemplo, as que distinguem uma sociedade civil de uma instituição militar).
O novo Presidente Marcelo tem feito tudo para demarcar-se dos seus antecessores, não só no estilo mas, sobretudo, na substância. Tem confirmado que é inteligente, culto e que sendo politico não precisa desta para nada. Criou pelo jornalismo/comentário televisivo uma invulgar empatia que chega a entrar no "sacrosanto santuário" do eleitorado do PC. No mínimo raro. Depois do "CDSista" Lobo Xavier como Conselheiro de Estado, nomeou como chanceler das Ordens Militares o socialista Jaime Gama. Fez, em Mafra, um notável discurso na cerimónia de apresentação de cumprimentos das Forças Armadas Portuguesas ao seu Chefe Supremo e convidou Mario Draghi para falar sobre a situação financeira na Europa no 1º Conselho de Estado da sua presidência, do passado dia 7 de Abril. Simplesmente brilhante. MRS quer e está de facto a conseguir marcar uma relevante diferença com mandatos anteriores, nomeadamente com o do seu antecessor.
Não acredito que fique por aqui. Não deixará de surpreender. 
Entretanto, aqui vai para distracção mais uma das historietas de que me lembro. Passou-se há mais de dez anos.

“A  Assembleia da República decreta, nos termos da alínea c) do artigo 161º da Constituição, para valer como lei geral da República, o seguinte: ...é atribuído um complemento especial (...) por cada ano de prestação de serviço militar ou duodécimo (...) Os ex-combatentes  (...) devem requerer à CGA, aos centros distritais de solidariedade social ou(...), até 31 de Outubro de 2002, a contagem do tempo de serviço militar para efeitos de aposentação e ou reforma.” (Lei nº 9/2002 de 11 de Fevereiro).
Eram nove e picos da manhã quando entrei nas modernas instalações da Caixa, ali na 5 de Outubro,  naquele edifício com as cores e motivos do genial arquitecto. Tirada a senha, li  “A 0194, atendimento previsto às 13h30”. Ora até que enfim uma organização à moda da Europa, depois se vê se funciona, não vale é a pena de aqui ficar.
E lá fui eu, ainda emocionado com aquela aparente organização e modernices associadas. Quando regressei, dei-me conta de pormenores que me impressionaram.
Na esquerda uma plateia em rampa suave garantia confortáveis condições de espera, na direita uma fila de mais de dez balcões devidamente numerados e, em local bem escolhido, um grande quadro electrónico.
Era intimidadora aquela plateia para quem está no palco a ser atendido, mas era reconfortante o elevado número de balcões. Olhei para o quadro e vi com contida alegria o nº 180. Iria ser rápido, não fosse ser a hora do turno do almoço e estarem a funcionar só quatro balcões. E lá apareceu o meu número.
Peguei na minha pasta e dirigi-me para o meu balcão. Nele, vi um enorme e colorido cartaz com um bravo militar de camuflado e cara engraxada que perguntava qualquer coisa do género “Já te inscreveste para a contagem de tempo?“.
Levantei os olhos e vi-a. Era pequena, loirita, de óculos à intelectual na ponta do arrebitado e constipado nariz. Sentia-a furiosa, da ponta dos cabelos aos dedos dos pés. Não soube porquê, eu nem sequer tinha ainda aberto a boca. Talvez pela hora.
Tentei amenizar o ambiente e disse, rindo desajeitadamente, que vinha responder à interrogação do meu camarada do cartaz, que era antigo combatente e que vinha pedir a contagem de tempo.
“Isso não é aqui”.
Como não é aqui, retorqui agitando a cópia da Lei.
“Já lhe disse (assoou-se) que não é aqui e não insista”.
Essa é boa,  o artigo nono da Lei, que aqui lhe mostro, diz, preto no branco, que devo apresentar requerimento na Caixa Geral de Aposentações que é, julgo, onde estou. Olhe vê? “Quero lá saber do que aí está escrito, já lhe disse que não é aqui“ (fungou).
Mas ó minha senhora a Lei foi aprovada na Assembleia, foi promulgada pelo senhor Presidente da República e foi referendada pelo senhor Primeiro-Ministro!
“Não me interessa (fungou) a Assembleia, o Presidente e o Governo, não me interessa nada disso tudo e olhe, sabe que mais?“ (fungou). Levantou-se de repente, espirrou, agarrou-me pela manga do casaco, puxou-me para fora do balcão deixando-me, pobre de mim, frente a uma temível plateia cheia de pensionistas e familiares, que o reboliço da nossa conversa tinha transformado de cansada e distante em parte interessada, surpresa e curiosa. 

A voz estalou fanhosa mas em tom de comando:
“Se há mais alguém como este senhor e que está aí para requerer contagem do tempo militar, fica já a saber que está a perder tempo porque não é aqui, é no Estado-maior na avenida Ilha da Madeira”.
Dito isto virou as costas a todos, espirrou novamente, entrou toda empertigada na sua “box” e deixou-me ali exposto a dezenas de olhares que me seguiram inquisidoramente até à saída .